Esta é a história extraordinária de uma simples massa de pão. Há setenta anos, o imigrante Carlo Bauducco trouxe de Turim, no norte da Itália, uma mistura de textura viscosa e cheiro ácido, feita à base de farinha e água. Desde então, ela é tratada como a joia na empresa brasileira que leva seu sobrenome, ícone da indústria alimentícia. Chamada de massa madre, é ela que dá origem a todos os panetones da marca, que só neste ano atingiram a marca recorde de 80 milhões de unidades. A iguaria fica acondicionada em uma sala climatizada de 144 metros quadrados. Como nos berçários, há uma janela de vidro para que possa ser admirada. Todos os dias, é alimentada rigorosamente com mais água e farinha, incluindo feriados e fins de semana, de forma a manter volume suficiente para dar conta de tamanha produção. Pequenos pedaços lhe são extirpados e acomodados em cestos forrados com lençóis, que vão para estufas quentinhas. Depois de um tempo de descanso para crescerem mais um pouco, são incrementados com ovos, açúcar e recheios. A mistura vai ao forno e assim, a partir dessa multiplicação, nascem os pães natalinos que, eis algo nada milagroso, começam a invadir as gôndolas dos supermercados muito antes de dezembro – aliás, já estão aí.
Dos mais artesanais aos totalmente industrializados, os panetones pertencem a um ramo fértil no mercado de alimentos no Brasil. São dezenas de marcas que movimentam por volta de 735 milhões de reais ao longo dos três meses de venda. O levantamento mais recente da Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães & Bolos Industrializados mostra que o consumo per capita dos brasileiros é de 440 gramas, o equivalente a um panetone inteiro. É metade em relação à Itália, o país de origem da receita, mas, considerando-se o tempo em que o alimento está na mesa dos italianos, o alcance brasileiro é extraordinário.
Uma das lendas sobre sua criação original remonta ao século XV, na cidade de Milão. A receita teria nascido por acidente. Exausto após ter trabalhado horas a fio na véspera de Natal, um padeiro chamado Toni teria queimado os biscoitos que assava para a ceia de um duque. Com medo da reação, decidiu, então, sacrificar a massa que havia guardado para o pão. Acrescentou farinha, ovos, açúcar, passas e frutas cristalizadas, e levou ao forno. O duque batizou o pão doce de “pane di Toni” (pão do Toni, panetone). No Brasil a receita chegou com os imigrantes italianos após a II Guerra Mundial. Os brasileiros, porém, só foram seduzidos pelo sabor perfumado da massa graças às versões enriquecidas com gotas de chocolate, o chocotone. E vicejou uma relação que parece ter existido desde sempre.
Publicado em VEJA de 21 de outubro de 2020, edição nº 2709