Visto do lado de fora, o bar Licorería Limantour, localizado na badalada região de Roma Norte, na Cidade do México, pode parecer apenas mais um estabelecimento da moda, com visual moderno repleto de elementos art déco e mesas ao ar livre. Um olhar mais atento à enorme coleção de garrafas atrás do balcão, no entanto, já indica que, além dos obrigatórios destilados internacionais, há uma variedade de rótulos locais, entre tequila e mescal, impossíveis de achar fora do país. Mas é folheando a carta de coquetéis que fica claro porque a casa, inaugurada em 2011, se mantém entre as melhores do mundo. Além da seleção de misturas clássicas, testadas e aprovadas por anos, há instigantes novidades sazonais. De tempos em tempos, os bartenders Benjamin Padrón e José Luis Leon buscam inspiração em ingredientes únicos de diferentes regiões do México, como Baja, ao norte, ou Oaxaca, ao sul, para criar obras-primas líquidas. Há releituras de bebidas típicas, como o champurrado, cujo nome é derivado do atole, feito com milho e chocolate e servido quente no café da manhã, ou criações inusitadas, como a artemísia, que mescla a erva com damasco e mescal. É um dos principais exemplos da revolução etílica que acontece agora no México e transformou o país em local de peregrinação dos entusiastas da boa coquetelaria.
No ranking The World’s 50 Best Bars, o mais reconhecido no mundo, a Cidade do México tem quatro endereços entre os cinquenta melhores do planeta. Dois estão no top 10: a Licorería Limantour, em sétimo, e o Handshake Speakeasy, na terceira posição — sua característica é estar escondidinho, em canto de difícil acesso, cujo endereço só é divulgado depois da reserva feita. Em tempo: o primeirão é o Sips, de Barcelona. A título de comparação, as únicas duas casas brasileiras reconhecidas, Tan Tan e SubAstor, de São Paulo, aparecem apenas na segunda parte da lista, em 56º e 58º, respectivamente. A alta densidade coqueteleira na Cidade do México mostra evolução. Há influência externa, principalmente no uso de técnicas avançadas tiradas da gastronomia molecular espanhola. Mas há uma preocupação em valorizar a própria história.
Parte desse fenômeno é explicado pela riqueza oferecida pelos dois principais destilados locais, a tequila e o mescal. Ambos são produzidos a partir do agave, um tipo de suculenta, de aparência pontuda, comum no país e usada desde a época dos astecas para a fabricação de bebidas fermentadas. No caso da tequila, apenas agave azul, e somente na região de Jalisco e arredores. A legislação local permite que até 49% de outros tipos de álcool sejam adicionados à mistura, mas uma versão mais pura tende a ser de maior qualidade. “El” tequila pode ser blanco, sem envelhecimento, ou reposado, añejo e extra añejo, de acordo com o tempo que passa em barris de carvalho. Já o mescal oferece maior liberdade aos produtores. Ele pode ser feito com outros tipos de agave, como o espadín, que fornece aromas herbáceos e terrosos, o tobalá, conhecido pelas notas frutadas e florais, ou o arroqueño, mais mineral. A planta passa por um processo de cozimento e defumação em buracos no chão. O resultado é um toque de fumaça típico da bebida, que dá complexidade ao mescal artesanal. Por não estar restrito a uma única região, é elaborado por diferentes produtores em todo o país.
Enquanto a tequila tem conquistado um mercado crescente fora do México, principalmente nos Estados Unidos — graças ao apoio de celebridades do cinema e da música —, mas também no Brasil, o mescal continua restrito a seu país de origem. Isso ajuda a dar um toque exótico aos coquetéis mexicanos. Há ainda um curioso olhar para o passado, para referências pré-hispânicas. Muitas vezes, a lista de ingredientes inclui nomes pouco conhecidos até mesmo para os visitantes locais. Trata-se não apenas de uma forma de se distanciar de influências externas, mas de reconhecer as origens. No mundo globalizado das bebidas, destaca-se quem é mais ousado. No caso do México, bastou olhar para dentro de casa. E foi assim que os bartenders mexicanos desenvolveram linguagem única. Cada gole oferece uma aula de história e de gastronomia regional.
Publicado em VEJA de 28 de junho de 2024, edição nº 2899