A vida pode ser doce: enfim, o grande momento dos chefs confeiteiros
Ao prepararem sobremesas bonitas, saborosas e originais, eles ganham o devido e tardio reconhecimento como estrelas das cozinhas

A confeitaria foi quase sempre o patinho feio da gastronomia. Os grandes chefs de restaurantes brilhavam em entrevistas e shows de televisão, ao revelar a inspiração e o processo criativo por trás de seus principais pratos. Os chefs pâtissiers, como são chamados os responsáveis pelas criações doces (pâtisserie significa confeitaria em francês), trabalhavam no anonimato e no calor das cozinhas, sem o devido reconhecimento. Há, agora, um movimento de recuperação do grupo à sombra. Hoje, e cada vez mais, esses profissionais estão à frente de uma tendência que instala as sobremesas caprichadas em primeiro plano. Os chamados “doces de vitrine”, aqueles que ficam expostos para atrair os clientes também pela beleza, ganharam novo status. E o poder das redes sociais fez com que seus criadores se tornassem personalidades populares.
É processo que ganha tração no Brasil, depois de explodir o paladar dos consumidores na França, sobretudo, e nos Estados Unidos. No ano passado, o porto-riquenho Antonio Bachour, eleito três vezes o melhor chef confeiteiro do mundo pelo The Best Chef Awards, abriu uma loja na Rua Oscar Freire, em São Paulo, um dos endereços mais badalados da maior metrópole do país — chama-se Mata Café by Bachour. Outros endereços brotaram no rastro da pioneira. É o caso da Joya, na Vila Madalena, na Zona Oeste da cidade, comandada por Isabela Honda, que trabalhou no estrelado Tuju. Há ali, também, o Ara, primeiro restaurante de sobremesa do país, de Rodrigo Ribeiro. Nos Jardins, José Paulo Rossetti comanda o Bake Sale. Como prova da força do fenômeno, as inaugurações recentes chegaram também ao Rio de Janeiro: a especialista em chocolates Luísa Jungblut lançou marca própria, a Arco; e o confeiteiro Pedro Frade colocou no mercado a Caramelo.

Não há dúvida, conquista-se espaço pela qualidade dos produtos, mas, por seu colorido e graça, as invenções caíram na câmara de eco da internet antes mesmo de serem provadas, o que ajudou a alimentar a festa. Tome-se como porta-voz dessa estrada um francês de enorme talento no forno e outro tanto para o marketing, Cédric Grolet. Ele ficou conhecido por doces que por fora parecem frutas e por dentro revelam camadas distintas de sabores. Hoje, tem 12 milhões de seguidores nas redes. Sua loja física em Paris, perto da Ópera Garnier, tem filas que nunca cessam, faça frio, faça calor. Grolet já veio ao Brasil, mas para a campanha de publicidade de uma loja de roupas. Não é o único. O franco-suíço Amaury Guichon, famoso pelas criações com chocolate, é seguido por 17 milhões de pessoas.
Tanto barulho, é natural, os levaria também para outro palco iluminado, os reality shows de televisão. No Brasil, a realização da primeira temporada do MasterChef Confeitaria, pela Band, ajudou a levar o universo das sobremesas a um público mais amplo. As técnicas usadas na elaboração de doces são diferentes, com uma nomenclatura própria. Conceitos como glaçagem (o efeito brilhante de algumas sobremesas) e entremet (o bolo com várias camadas, envolto em mousse e com cobertura) agora são compreensíveis.

Há, contudo, um dilema. Os chefs sabem precisar de produtos criativos, diferentes de tudo o que já se viu por aí, mas há o risco de os novos sabores incomodarem. O caminho, por ora, é apostar no certo. O onipresente pistache, por exemplo, aparece no cardápio da maioria das confeitarias. “Em alguns casos, precisamos conversar com o cliente e convencê-lo a provar algo diferente”, diz José Paulo Rossetti, do Bake Sale. Assim, alguém que entra em sua loja acaba conhecendo uma sobremesa como a Memorie, que leva cambuci, limão, coco e a pimenta Timut, originária do Nepal, de sabor cítrico. Rossetti tem ainda um podcast sobre o tema, o Pastry Cast, com Diego Lozano, ex-jurado do MasterChef, e seu irmão, Pablo Lozano.
Tudo gostoso, mas caro. Os doces de estilo têm preços salgados. Em algumas das confeitarias badaladas são vendidos a cerca de 50 reais a unidade. O valor reflete o custo dos ingredientes e a “grife” que assina as receitas. Paga-se pelo inusitado e pelo cuidado. “Só estou satisfeito quando a minha sobremesa é melhor do que a fruta que a inspirou”, diz Grolet. É de comer com os olhos, mas com a boca também.
Publicado em VEJA de 7 de março de 2025, edição nº 2934