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Depois da explosão na pandemia, ‘ghost kitchens’ têm futuro incerto

As cozinhas afeitas ao delivery perdem espaço para os restaurantes tradicionais

Por André Sollitto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 09h36 - Publicado em 4 fev 2024, 08h00

Nunca, como no período mais fechado da pandemia, louvou-se tanto uma das máximas do general e estrategista chinês Sun Tzu (544 a.C.-496 a.C.), idolatrado por empreendedores na adaptação do universo militar para o cotidiano dos negócios: “No meio do caos há sempre uma oportunidade”. E na dramática barafunda da emergência sanitária, entre tantas outras adaptações, a civilização deu um jeito de os restaurantes chegarem em casa, dada a impossibilidade de ir até eles. Foi um salto do sistema de delivery, que já existia, mas parecia destinado a viver isolado em algum escaninho de urgências. E então, com o susto da Covid-19, brotaram as ghost kitchens ou dark kitchens, as cozinhas projetadas para facilitar a produção de refeições afeitas à entrega.

O tal do novo normal, que de tão citado rapidamente virou coisa velha, incluía esse modelo de alimentação. Dele, por óbvio, nunca mais es­ca­pa­ría­mos. Só que não. O que tendia ao lucro, sem cessar, freou de modo abrupto. O que se mostrava viável hoje é nebuloso. E viva o velho normal. O melhor exemplo da ascensão e queda do molde dos fornos e fogões preparados para o envio em domicílio é a CloudKitchens, startup de Travis Kalanick, fundador da Uber. Criada em 2016, ela foi comprada pelo empreendedor em 2018, mas só ganhou tração a partir de 2020, com a eclosão do vírus. No ano seguinte, a companhia captou 850 milhões de dólares em uma rodada de investimentos que contou com a Microsoft. Foi depois avaliada em 15 bilhões de dólares e inspirou outras empresas de modelo semelhante. Agora, a situação é outra. No fim de 2023, a startup demitiu parte da equipe e fechou alguns dos espaços — e os que ainda existem funcionam a meia-boca.

O problema é mais vasto. A tradicional rede de fast food americana Wendy’s, que chegou a ter unidades no Brasil, lançou um ambicioso plano em 2021: inaugurar 700 ghost kitchens na América do Norte e no Reino Unido. No ano passado, decidiu interromper toda a operação. Há casos ainda mais dramáticos, como o da Butler Hospitality, que operava cozinhas para hotéis e encerrou as atividades de forma silenciosa, deixando clientes e fornecedores na mão.

O VELHO NORMAL - As casas voltam a encher: além do convívio, a experiência é muito mais satisfatória
O VELHO NORMAL - As casas voltam a encher: além do convívio, a experiência é muito mais satisfatória (Maira Erlich/Bloomberg/Getty Images)

No Brasil, a situação é um pouco diferente, mas não escapa da decadência prematura. Em meados de dezembro, o Tribunal de Justiça invalidou a lei municipal de São Paulo que regulamentava as ghost kitchens. De acordo com a decisão, todo o processo de aprovação foi feito sem estudos técnicos e urbanísticos de impacto. Em 180 dias, a Câmara dos Vereadores rediscutirá o tema. Essas cozinhas, que no início de 2023 representavam um terço do total de opções em aplicativos de delivery, foram recebidas com reclamações por vizinhos em decorrência do barulho, da sujeira e da movimentação de entregadores.

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Além do desenho operacional inadequado — não há almoço grátis —, há outra explicação, mais prosaica, para a perda de tração. Sem as restrições sanitárias, as pessoas preferem retomar o convívio social e sair para comer fora, simples e gostoso assim. É melhor a comida quentinha do que fria. O recuo, depois de tão breve vida, é constatação de que nem todas as soluções que fazem sentido na confusão resistem ao mundo como ele era. Vale lembrar uma frase do chef francês Marie-Antoine Carême (1783-1833): “Quando não tivermos mais boa culinária no mundo, não teremos literatura, nem inteligência elevada e afiada, nem reuniões amigáveis, nem harmonia social”. Não mesmo.

Publicado em VEJA de 2 de fevereiro de 2024, edição nº 2878

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