No mundo do vinho, diz-se, como mantra, haver duas zonas ideais de luz, calor e água em proporções ideais para o cultivo das uvas: a faixa entre as latitudes de 30 e 50 graus, tanto no Hemisfério Norte quanto no Sul. França, Itália, Portugal e Espanha, países de produção celebrada, estão dentro da faixa norte, é evidente. Argentina, Chile, Nova Zelândia e Austrália são produtores de escol na franja austral. No Brasil, apenas o Rio Grande do Sul é contemplado por condições climáticas favoráveis, e é lá que são feitos os melhores espumantes nacionais, reconhecidos mundialmente. Nos últimos anos, contudo, um outro tipo de vinho brasileiro tem chamado a atenção de especialistas: são os rótulos da Serra da Mantiqueira, cadeia montanhosa localizada entre os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Brotam ali os chamados vinhos tranquilos, de escassas borbulhas, filhos da cultura no inverno.
Tranquilamente, eles crescem e aparecem. Na mais recente edição do Decanter World Wine Awards, celebrada premiação realizada há vinte anos no Reino Unido, o Brasil conquistou 105 medalhas, sendo 25 delas para os vinhos da Serra da Mantiqueira. Foram apenas duas premiações de ouro, uma delas para o tinto Piquant Soléil, de uva syrah, safra de 2022, da Vinícola Ferreira, instalada entre os municípios de Piranguçu, em Minas Gerais, e Campos do Jordão, em São Paulo. “Um prêmio desse é gratificante por mostrar que o trabalho de treze anos está indo pelo caminho certo”, diz Dormovil Ferreira, proprietário e fundador da vinícola. Empresário do ramo de computação eletrônica, Ferreira plantou as primeiras videiras da casta merlot em sua casa em 2010, e o bom resultado da primeira safra o motivou a expandir o vinhedo. Hoje, a capacidade é de quase 40 000 litros anuais e uma ampla variedade de outras uvas, como a sauvignon blanc, que já foi premiada em uma edição anterior do Decanter Awards.
O sucesso da Serra da Mantiqueira é um interessantíssimo prodígio. O lugar, sublinhe-se, tem um clima pouco indicado para o cultivo da Vitis vinifera, usada para a lida de vinhos finos. A altitude, a geografia acidentada e as chuvas potencializam as dificuldades. A viticultura só foi possível graças ao casamento da tecnologia com técnicas inovadoras, como a dupla poda, ou poda invertida. Explica-se: tradicionalmente, as videiras produzem frutos colhidos no verão, entre os meses de fevereiro e abril, o mais tardar. No caso dos vinhos de inverno, são feitas duas podas, uma em meados de agosto e outra em janeiro. É movimento que altera o ciclo da videira e concentra o desenvolvimento da planta na temporada invernal, período de maior amplitude térmica e menor índice de chuvas. O recurso foi desenvolvido no início dos anos 2000 pelo professor e produtor Murillo de Albuquerque Regina. Na época, ele trabalhava na Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), depois de uma década de investigação. Portanto, todo o lote da Serra da Mantiqueira é recente.
Há, portanto, dada a juventude do processo, e os bons resultados, uma entusiasmada união entre os viticultores da região. “Nos juntamos para testar diferentes manejos, adubos e aminoácidos”, diz Mario Augusto Carbonari, responsável pela Vinícola Villa Santa Maria, também premiada com uma medalha de prata no Decanter Awards. “Cada um experimenta algo e compartilha o que funciona e, com isso, conseguimos absorver mais conhecimento em menos tempo.” Em 2016, foi criada a Associação Nacional de Produtores de Vinhos de Inverno (Anprovin), que organizou a produção local e vem promovendo a viticultura na Serra da Mantiqueira. “Sem falsa modéstia, digo que sempre acreditamos que seríamos premiados”, afirma Carbonari. “Mas a surpresa foi isso ter acontecido tão cedo.” É ineditismo emoldurado por esperança e alguma ansiedade pelo que virá em seguida. A expectativa, e não há como apartá-la: como o celebrado vinho jovem ainda evoluirá com o passar do tempo em barris e garrafas? Existe uma única firme certeza: o futuro é promissor.
Conforto para exportação
O grupo hoteleiro Vik Retreats, de origem uruguaia, é conhecido pelo portfólio enxuto, mas exclusivíssimo e elegante de hotéis espalhados pelo mundo. São três unidades no Uruguai, duas no Chile (uma delas uma vinícola de rótulos renomados) e uma em Milão, na Itália, com design assinado por arquitetos premiados. A proposta é unir natureza, ambientes repletos de obras de arte e experiências enogastronômicas. A Vik acaba de anunciar a chegada ao Brasil. O empreendimento subirá no interior de São Paulo, na cidade de Araçoiaba da Serra, a menos de duas horas da capital. A escolha foi feita com base na popularidade dos vinhos da marca por aqui e pelo interesse dos brasileiros pela instalação enoturística da Vik no Vale de Millahue, no Chile. Não à toa, o design da unidade brasileira será assinado pelo uruguaio Marcelo Daglio, responsável pela Vik Chile. A inauguração será em 2024.
Publicado em VEJA de 21 de Junho de 2023, edição nº 2846