Não é de hoje que a sustentabilidade se tornou um tema dominante na agricultura. Diante das novas demandas ambientais, produtores passaram a prestar mais atenção ao manejo responsável e a adotar práticas que respeitem a natureza. Agora, essas premissas chegam ao mundo dos vinhos. A França, responsável por 16% de toda a bebida produzida no planeta, movimentando algo como 9 bilhões de dólares por ano, resolveu acelerar o seu compromisso com a viticultura verde. Até 2025, 100% dos vinhedos da região de Bordeaux, conhecida como a capital mundial do vinho, terão certificações sustentáveis, orgânicas ou biodinâmicas, nomenclaturas que passaram a ser usadas de uns tempos para cá entre os enófilos (leia no quadro). Na região do Vale do Loire, conhecida pelos vinhos Sancerre feitos com a uva pinot noir, o número de vinícolas cujo cultivo é orgânico saltou de 417 para 736 em uma década, e o total de adeptos do método não para de avançar.
Cada uma dessas classificações diz respeito a condições específicas de produção, mas tem em comum o olhar cuidadoso com o ambiente, da exploração equilibrada do solo à incorporação de leveduras naturais, da preservação da biodiversidade nas fazendas ao uso racional da água. Não são apenas países do Velho Continente, com tradição milenar na produção de vinho, em que as novas práticas agronômicas estão ganhando espaço. Na Nova Zelândia, país que integra o que os especialistas chamam de novíssimo mundo, 96% de toda a área agrícola usada na produção de uvas recebeu algum tipo de certificação de sustentabilidade, de acordo com o mais recente relatório elaborado pelo programa Sustainable Winegrowing New Zealand (SWNZ), divulgado no fim de abril.
A boa notícia é que a preocupação começa a ganhar espaço também no Brasil. Tradicional marca de espumantes que pertence ao grupo francês de luxo LVMH e que produz rótulos no sul do país, a Chandon é uma das líderes do movimento no mercado nacional. A vinícola lançou há alguns dias a Chandon Blanc de Noir Extra Brut, primeiro espumante feito apenas com uvas pinot noir cultivadas na região de Encruzilhada do Sul, no Rio Grande do Sul. O vinho recebeu uma certificação sustentável conhecida como PIUP (Produção Integrada de Uva para Processamento). De acordo com a empresa, o selo estabelece parâmetros rígidos de produção — entre eles, o mais importante é o limite rigoroso de aplicação de herbicidas. “Vamos além das regras e tudo é auditado”, diz Philippe Mével, enólogo-chefe da Chandon.
Iniciativas como essas certamente servem de inspiração para que outros produtores busquem o mesmo tipo de certificação. A lógica é simples: se uma empresa com mais de 110 hectares — algo como 130 campos de futebol — consegue cumprir preceitos ambientais, viticultores com propriedades menores poderiam, em tese, fazer um trabalho semelhante e provavelmente com mais facilidade. A principal barreira, no entanto, é a burocracia que envolve o processo. Os auditores exigem certificado de origem de tudo o que entra na fazenda, mas nem sempre as vinícolas menores possuem esse tipo de documentação. Tanto é assim que ainda são raros os produtores no país que podem ser chamados de ambientalmente corretos. Antes da Chandon, a vinícola Ravanello, em Gramado, também no Rio Grande do Sul, tornou-se, em 2018, a primeira do Brasil a obter o selo PIUP em seus rótulos de tintos, com uvas como petit verdot, tannat e teroldego.
A chegada ao mercado dos vinhos sustentáveis sugere outro tipo de debate. Afinal, os rótulos concebidos a partir desse conceito mantêm o sabor original? Segundo os produtores, não há nenhuma mudança significativa ou que seja minimamente perceptível para os consumidores. Na verdade, o já bastante exigente mercado de vinhos ganha uma camada adicional de complexidade. Agora, não basta conhecer o produtor, a vinícola, a safra e o tipo de uva que compõe o rótulo. É preciso também ter certeza de que a bebida foi produzida de forma responsável. O planeta agradece.
Publicado em VEJA de 25 de maio de 2022, edição nº 2790