Após estupro coletivo, Índia promete revisar código penal da era colonial
Novas leis para acelerar o processo judicial e proteger direitos das mulheres, porém, são vistas com ceticismo
A Índia anunciou nesta segunda-feira, 14, que vai revisar o seu código penal da era colonial e implantar novas leis para acelerar o processo judicial e proteger direitos das mulheres. A iniciativa ocorre após um estupro coletivo no estado de Manipur, que chocou o país no mês passado, mas analistas se preocupam que as reformas generalizadas sejam apenas maquiagem para os problemas reais.
O governo apresentou três projetos de lei no parlamento que, segundo autoridades, vão dar foco especial aos crimes contra as mulheres e abordar atrasos no sistema judicial. Atualmente, as pessoas podem esperar de 15 a 30 anos por um veredicto.
Porém, alguns advogados chamaram as medidas de “vinho velho em garrafas novas”, já que as revisões preveem regras semelhantes às anteriores. Por exemplo, o estupro coletivo será punido com sentença de 20 anos na cadeia ou prisão perpétua, o que a lei atual já prevê.
Entre as poucas mudanças, o ato de mentir a uma mulher, prometendo casamento, para obter sexo será tratado como crime pela primeira vez, com sentença de até 10 anos na prisão. A nova lei também passa a definir a noção de consentimento especificamente, embora não tenha reconhecido o estupro conjugal como crime.
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Os projetos de lei foram encaminhados a um comitê parlamentar para deliberação adicional, mas podem ser aprovados antes que a atual legislatura se dissolva para as eleições gerais no ano que vem. Os textos vão substituir o Código Penal Indiano, o Código de Processo Penal e a Lei de Evidências da Índia, criadas há mais de 160 anos por Lord Macaulay, na então colônia da coroa britânica.
O ministro do Interior, Amit Shah, disse que o código penal existente era um sinal de “escravidão”, uma vez que estava manchado pelo domínio imperial.
“A base desses procedimentos era proteger os britânicos, não as pessoas comuns da Índia”, argumentou Shah.
Embora as leis da era colonial tenham sido alteradas ao longo dos anos, todo o sistema legal mantém a marca do Império Britânico. A homossexualidade foi considerada crime por 157 anos, até que a Índia revogou a lei em 2017. O adultério também esteve proibido por 158 anos, até que a Suprema Corte decidiu em 2018 que essa era uma questão civil, não uma ofensa criminal.
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Shah disse que a reforma resultaria em julgamentos mais curtos e veredictos mais rápidos. Atualmente, adiamentos infinitos são permitidos pelo sistema legal e os tribunais estão entupidos de processos.
Há casos de parentes de vítimas de assassinato que falecem antes do julgamento, bem como de testemunhas que morrem antes de poderem prestar depoimento. Esses atrasos, juntamente com métodos inadequados de coleta de provas pela polícia, resultam em uma taxa de condenação de cerca de 57%. Em casos de estupro, a parcela cai para 32%.
“A meta é levar o índice de condenação para 90%. Todo indiano terá justiça em no máximo três anos”, garantiu Shah.
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Além disso, o ministro disse que o discurso de ódio e o linchamento público passaram a ser crimes pela lei.
Em julho, um vídeo chocante viralizou nas redes, mostrando um incidente ocorrido em 4 de maio em que uma multidão de homens vestidos forçam duas mulheres a andarem nuas na rua, enquanto são espancadas com bastões e apalpadas. O incidente gerou uma onda de protestos no país, onde estupros coletivos e linchamentos de mulheres não são incomuns.
Especialistas, contudo, acreditam que a “revisão total” é uma noção exagerada, visto que não é a primeira vez que o governo ordena prazos mais rígidos para os julgamentos, que costumam falhar.
“Alguns anos atrás, os juízes foram instruídos a concluir os julgamentos de estupro em 90 dias, mas isso não aconteceu”, disse Rebecca Mammen John, advogada sênior da Suprema Corte, em entrevista ao jornal britânico The Guardian. “A infraestrutura simplesmente não existe. Quando as reformas estão desconectadas da realidade, vira apenas um truque.”