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Disputa entre Massa e Milei chega ao 2º turno em clima de indefinição

Em meio à crise econômica argentina, com inflação a 142,7%, maior parte das pesquisas aponta empate técnico entre os candidatos

Por Amanda Péchy
19 nov 2023, 08h00

A Argentina vai às urnas neste domingo, 19, para escolher o novo presidente do país. No segundo turno das eleições, altamente polarizado e marcado por uma grave crise econômica, disputam candidato do governo, o peronista Sergio Massa e atual ministro da Economia do país em frangalhos, e o ultraliberal Javier Milei, que foi acusado de representar uma ameaça à democracia, além de colecionar uma série de propostas polêmicas.

No primeiro turno, contra as expectativas, Massa, da coalizão União Pela Pátria, superou o favoritismo de Milei, do partido A Liberdade Avança, e largou na frente. O governista angariou 36% dos votos válidos, contra 30% de Milei, que havia vencido as PASO (eleições primárias que definem qual candidato representará cada partido ou coalizão).

A ex-ministra da Segurança Patricia Bullrich, da linha política macrista – ligada ao ex-presidente Mauricio Macri –, somou 23,8% dos eleitores e ficou em terceiro lugar. Assim, de forma inédita, uma das duas forças que regeram a política argentina desde a redemocratização, em 1983, ficou de fora da disputa. No segundo turno, ela declarou apoio a Milei.

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O primeiro turno das eleições mostrou queda de popularidade do peronismo, a outra grande força política da Argentina. Desde 2003, ano em que Néstor Kirchner foi eleito, este foi o pleito presidencial em que o movimento, agora representado por Massa, conquistou menos províncias na primeira rodada de votos.

Um mês depois, porém, as pesquisas continuam apontando um resultado indefinido. Uma pesquisa da AtlasIntel, divulgada na última sexta-feira 10, dá 52% dos votos válidos a Milei, enquanto Massa ficaria com 47,9%, a maior das margens calculadas. A CB Consultora também dá vantagem a Milei. Já nos levantamentos feitos pelo Celag e Circuitos, a vitória é de Massa. O ultraliberal varia de 34,3% a 51,5%, dependendo da sondagem, enquanto o peronista flutua de 38,3% a 47,2%.

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Todas as pesquisas, porém, seguem sempre com diferença muito pequena. Uma média calculada pelo portal La Política Online, considerando diversos levantamentos realizados após o primeiro turno, indica que Milei teria 42,9% e Massa, 42,8% das intenções de voto.

O clima geral de indefinição aumenta a tensão entre os apoiadores de cada candidato. Em um comício em Ezeiza, cidade a 30 km de Buenos Aires que é reduto do peronismo, Milei foi alvo de uma chuva de ovos na quarta-feira 15. Alguns eleitores ventilam até mesmo a possibilidade de fraude, teoria sem fundamento em evidências que tem circulado entre partidários do ultraliberal.

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Pesadelo financeiro

Em meio à polarização da sociedade, os hermanos também enfrentam uma grande crise econômica, a terceira deste nível em 40 anos de democracia. A face mais palpável da instabilidade é a inflação, que ultrapassou os três dígitos em fevereiro e leva os preços, especialmente de alimentos, a subirem quase todas as semanas. O índice acumulado em 12 meses na Argentina alcançou 142,7% em outubro, o maior desde 1991.

Há 30 anos, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) chegou a registrar uma taxa anual de 3.079% em 1989 e 2.314% em 1990. O país enfrentava uma grave crise financeira e altos níveis de pobreza entre a sua população.

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A principal consequência da alta descontrolada nos preços é o aumento da pobreza, que hoje atinge 40% da população, segundo a agência nacional de estatísticas, Indec. O país também desbancou o Zimbábue no mês passado, com a taxa de juros mais alta do mundo, a 130%. As reservas nacionais se esvaem nos cofres do país que é hoje o maior devedor do Fundo Monetário Internacional, o FMI.

Massa e Milei têm planos bastante diferentes para resolver o problema da economia. Enquanto o governista aposta em investimentos nos setores energético, mineiro e agropecuário para inverter a balança comercial e obter mais dólares com exportações, o ultraliberal defende ações radicais, incluindo a dolarização da economia e o fim do Banco Central, para acabar com a crise.

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Além das duas propostas, vistas como impraticáveis por economistas sérios, Milei promete cortar drasticamente os gastos públicos e uma das formas seria reduzir o número de ministérios de dezoito para oito, passando a motoniveladora inclusive nas pastas de Educação e Saúde — os dois sistemas, privatizados, alcançariam, segundo ele, qualidade de primeiro mundo.

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Muitos argentinos, sobretudo jovens, se entusiasmam com as radicais propostas econômicas contidas no “plano motosserra” de Milei — um conjunto de marretadas que até pouco tempo atrás ninguém levava a sério.

Amigos, pero no mucho

Além do futuro da economia argentina, o pleito pode mudar a política externa do país, em especial os laços com o Brasil, seu maior parceiro comercial. Uma vitória do ultraliberal Milei pode impactar negativamente as relações com o governo do esquerdista Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

No último debate antes da eleição, Massa acusou seu adversário de querer romper os diálogos com Brasília. Milei rebateu dizendo que o atual presidente argentino, Alberto Fernández, também “não falava com o [ex-presidente Jair] Bolsonaro” – a quem ele próprio é comparado constantemente.

+ Em último debate, Milei e Massa divergem sobre relação com Brasil

A participação de publicitários brasileiros ligados ao PT no Brasil – alguns dos quais participaram das campanhas presidenciais de Fernando Haddad e Lula – na campanha de Massa também ganhou destaque.

“Que Massa tenha que guardar esse maldito dinheiro que foi gasto nesses malditos brasileiros que vieram fazer campanha suja, pagos por Lula”, afirmou o candidato ultraliberal.

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Lula, por sua vez, driblou uma declaração direta de apoio a qualquer dos candidatos, mas afirmou que o presidente da Argentina “precisa gostar de democracia” e “do Mercosul”. A alfinetada foi direcionada a Milei, acusado de representar uma ameaça à democracia e que disse repetidamente que planeja deixar o bloco econômico sul-americano.

Quem é quem

Sergio Massa, 51 anos, foi deputado, prefeito, presidente da Câmara, e passou de desafeto a aliado da ex-presidente Cristina Kirchner, agora no posto de vice-presidente e cacique do peronismo.

Apesar de ocupar um cargo-chave, e ainda como ministro da Economia, ele não é tão associado às causas da crise econômica. Analistas apontam que o candidato assumiu a pasta num momento turbulento, em 2022, e conseguiu estabilizar a situação no curto prazo, e na medida do possível. No meio da crise econômica, também acabou tendo mais destaque que o próprio presidente, Fernández.

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Além disso, ao contrário do atual presidente, Massa se posiciona mais ao centro do que à esquerda, e mantém forte relação com empresários.

Javier Milei, 53 anos, por sua vez, é um ex-goleiro e ex-integrante de uma banda cover dos Rolling Stones. Se formou em economia e deslanchou uma carreira no rádio e na TV valendo-se de gestos histriônicos e frases de efeito, até se eleger deputado em 2021. Ao longo da trajetória, foi consolidando seu projeto libertário — um conceito nascido na esquerda e, mais recentemente, absorvido pela direita, que consiste em abolir todos os limites da vida em sociedade.

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+ Canibalismo da direita e erros de Milei explicam mau desempenho

A defesa do mercado ultralivre se estende ao comércio de órgãos humanos, visto que, na sua visão, cada um sabe o que é melhor para si. Aí começa o lado exótico do candidato. Admirador de Donald Trump e Bolsonaro, é adepto da teoria conspiracionista de que a esquerda manobra para obter a dominação cultural do mundo, acha que as salas de aula são criadouros de esquerdistas e qualifica o aquecimento global de “mentira marxista”.

Na vida pessoal, diz que não penteia o cabelo desde os 13 anos, pratica (e ensina, não se sabe bem a quem) sexo tântrico e diz conversar, por meio de uma médium, com Conan, o mastim que clonou e deu origem a seus quatro “netinhos”.

Com sua imagem excêntrica, vende-se como um “outsider” da política e se apresenta como “diferente de tudo que está aí”. Na reta final de campanha, porém, ele tem adotado tom mais moderado numa tentativa de angariar votos de eleitores de centro.

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