O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, enfrenta nesta segunda-feira novos protestos da oposição e ameaças dos Estados Unidos, um dia após a eleição da polêmica Assembleia Constituinte. A votação foi marcada pela violência, com um saldo de 15 mortos, de acordo com a oposição. Um candidato à Constituinte foi assassinado a tiros na noite de sábado. Com essa escalada da violência, chega a 125 o número de mortos em quatro meses de protestos pela saída de Maduro, segundo o Ministério Público.
Maduro chamou de histórica a votação que, segundo ele, contou com mais de oito milhões de venezuelanos (41,5% dos eleitores). “Nasce [a Assembleia Constituinte] com grande legitimidade popular. Tem a força da legitimidade de um povo que saiu às ruas para votar. A Assembleia Constituinte deve ter consciência do poder em suas mãos”, declarou Maduro na madrugada desta segunda-feira na Praça Bolívar, em Caracas.
A oposição, que boicotou o processo, afirmou que a participação foi de apenas 12%. A eleição não teve com a participação de votos do exterior e registrou centros eleitorais vazios, além de não contar com observadores externos nem com a participação da imprensa. Isso, somado aos números das votações venezuelanas anteriores – 8.191.132 na última eleição de Chavez, em 2012; 7.505.338 no pleito que validou a presidência de Maduro, em 2013; e 5.622.844 no sufrágio legislativo de 2015 – corrobora a acusação de embuste feita pelos opositores. “Não reconhecemos este processo fraudulento, para nós é nulo, não existe”, disse o líder opositor Henrique Capriles, ao convocar novos protestos.
A Assembleia Constituinte, que terá 545 membros, deverá tomar posse na quarta-feira na sede do Parlamento, controlado desde 2016 pela opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD), que não reconhece este novo órgão. Maduro alertou que os deputados da oposição poderão ser alvos da nova Constituinte, que será dotada de “superpoderes”. “Acabou a sabotagem da Assembleia Nacional, vamos colocar ordem (…) Será necessário retirar a imunidade parlamentar…”, advertiu.
A Assembleia Constituinte vai liderar o país por tempo indefinido, e estaria – em tese – acima até mesmo do presidente. Será responsável por redigir uma nova Constituição, que a oposição acusa que será usada para instaurar uma ditadura comunista. O organismo será integrado pelos principais líderes do chavismo, entre eles Diosdado Cabello e Cilia Flores, esposa de Maduro.
Início imediato
O governista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) prometeu que a Assembleia Constituinte irá começar a aprovar leis rapidamente depois da eleição de domingo que a instaurou, apesar do boicote da oposição e do repúdio de governos estrangeiros que a consideraram uma afronta à democracia.
“A Assembleia Constituinte irá iniciar seu trabalho imediatamente”, disse Diosdado Cabello, vice-presidente do PSUV, em um evento pós-votação em Caracas que culminou com o anúncio da contagem oficial de votos após a meia-noite e um discurso empolgado de Maduro. “Bom dia, Venezuela. Temos uma Assembleia Constituinte!”, gritou. “Peço a nossos compatriotas que cerrem as fileiras para que nossa Assembleia possa ser um lugar de diálogo”.
Isolamento internacional
Em um comunicado divulgado pelo Departamento de Estado americano, Washington condenou a eleição “viciada” e anunciou que continuará com medidas contra o autoritarismo na Venezuela. Na semana passada, os Estados Unidos puniram 13 funcionários e militares próximos a Maduro, entre eles a presidente do Conselho Nacional Eleitoral, Tibisay Lucena. Eles foram acusados de ruptura da democracia, violação dos direitos humanos e corrupção.
Já a União Europeia (EU) expressou sua preocupação com o destino da democracia venezuelana. “A Comissão tem sérias dúvidas sobre se o resultado da eleição pode ser reconhecido”, declarou a porta-voz do executivo da UE, Mina Andreeva, depois que Espanha, México, Colômbia, Brasil, Argentina e Estados Unidos, entre outros, anunciaram que não reconhecerão os resultados da votação.
O Brasil fez um apelo às autoridades venezuelanas para que suspendam a instalação da Assembleia. “O governo se prepara para um cenário de isolamento internacional severo e tenta unificar seus quadros contra o inimigo externo”, disse o analista Luis Vicente León.
A União Europeia também apontou a responsabilidade de Caracas para “restaurar o espírito da Constituição e a confiança perdida” com sua tentativa de “estabelecer instituições paralelas”, declarou Andreeva, referindo-se à Constituinte. “Uma Assembleia Constituinte eleita em circunstâncias duvidosas e violentas, não pode fazer parte da solução” à crise, acrescentou a porta-voz. Neste sentido, a UE, que condenou o uso excessivo e desproporcional da força pelas forças de segurança, reiterou seu apelo às partes para alcançar uma solução negociada.
Os críticos de Maduro caracterizaram a eleição como uma tomada de poder descarada com o intuito de mantê-lo no comando. A Venezuela atravessa uma severa crise econômica, com prolongada escassez de medicamentos e alimentos, uma inflação que poderia chegar a 720% e uma queda do PIB de 12%, segundo do FMI. A votação pode exacerbar a penúria econômica se os Estados Unidos – o principal mercado para o petróleo venezuelano – cumprirem suas ameaças de sanções econômicas, e pode semear dúvidas entre os investidores a respeito da legitimidade de acordos financeiros apoiados pela nova Assembleia.
(com AFP e Reuters)