Novo caso de violência sexual abala França; entenda
Cirurgião Joel Le Scouarnec, de 74 anos, enfrenta acusações de abusar de seus pacientes, muitos deles crianças, na cidade de Vannes

O julgamento de um caso de abuso sexual estremecerá a França na próxima quarta-feira, 24, poucos meses após o julgamento de Dominique Pelicot, que drogou, estuprou e convidou dezenas de homens para violentarem sua esposa, Gisèle, por anos. Agora, o cirurgião Joel Le Scouarnec, de 74 anos, enfrenta acusações de abusar de seus pacientes, muitos deles crianças, na cidade de Vannes, no que já é considerado o mais escândalo sexual infantil da história do país.
Le Scouarnec teve a casa revistada pela polícia pela primeira vez em 2017, depois de ser acusado de estuprar uma vizinha de 6 anos. Na ocasião, foram encontrados diários eletrônicos que narravam décadas de abuso, além de bonecas sexuais e pornografia infantil. As descobertas levaram o cirurgião a ser condenado a 15 anos de prisão pelo abuso da vizinha, de duas sobrinhas e de uma paciente, na época com 4 anos.
As revelações foram apenas o início das investigações contra o médico, hoje acusado de estupro agravado e agressão sexual de 299 pessoas. Muitas das vítimas estavam anestesiadas no momento do crime. Mas, apesar de estarem sob efeito de medicamentos durante o abuso, elas apresentaram sintomas de estresse pós-traumático, de acordo com psiquiatras citados nos documentos judiciais. Le Scouarnec admitiu culpa de grande parte dos abusos.
Ele recebeu uma pena suspensa de quatro meses de prisão em 2005, quando foi condenado por posse de pornografia infantil. Ainda assim, conseguiu um emprego como cirurgião no hospital público de Quimperle no ano seguinte. Embora o comportamento estranho de Le Scouarnec tenha sido relatado por um psiquiatra à gerência do hospital ainda em 2006, o cirurgião continuou a atender crianças. O caso aumenta as críticas contra o sistema de saúde público da França, já que, apesar do seu histórico, o médico trabalhou em hospitais até 2017.
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Vidas devastadas
François, que não quis ser completamente identificado, foi violentado por Le Scouarnec quando tinha apenas 12 anos. Ele afirmou à agência de notícias Reuters que se sente “traído pelas autoridades” por perceber que “não deveria ter sido operado por esse cirurgião”, questionando: “Por que ninguém proibiu esse cirurgião de trabalhar com crianças?”. Ele integra o grupo de denunciantes.
Também à Reuters, Roland Vinet, 78, disse que acredita que seu neto, Mathis, tirou a própria vida aos 24 anos ao ter de enfrentar as memórias do abuso. Mathis foi internado após sentir fortes dores de estômago. Sob ordens do cirurgião, o menino de 10 anos passou a noite sozinho no hospital de Quimperle. Relatos dos diários de Le Scouarnec mostram que Mathis foi abusado sexualmente na madrugada e no dia seguinte, tendo seus órgãos genitais tocados em todas as ocasiões.
O menino, segundo o avô, nunca mais foi o mesmo. Mais tarde, passou a usar álcool e drogas, morrendo por overdose em 2021, três anos após descobrir através da polícia que havia sido violentado e passado a ter flashbacks sobre o abuso. Demandantes do caso contra o médico, Vinet e sua esposa culpam Le Scouarnec pela morte de Mathis.