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Dilemas da fé em tempos de coronavírus: abrir ou fechar templos e igrejas?

Evangélicos e católicos se adaptam, mas alguns de seus líderes ainda resistem ao apelo para evitar as aglomerações

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h27 - Publicado em 20 mar 2020, 06h00

Enquanto a ciência se debruça sobre o mistério da origem da Covid-19 e as autoridades testam medidas cada vez mais drásticas para conter a contaminação (que podem incluir a proibição de eventos com aglomeração de pessoas), o bispo evangélico Edir Macedo resolveu partir para o ataque, munido de algumas “certezas”. “Minha amiga e meu amigo, não se preocupem com o coronavírus”, disse ele em um vídeo divulgado no domingo 15. Segundo o chefe da Igreja Universal do Reino de Deus, a preocupação em torno da doença era uma “tática de Satanás” para espalhar o medo. Quem transparecia estar assustado, porém, era Macedo, com a perspectiva de templos vazios e, consequentemente, menos ofertas e dízimos.

A resistência a fechar as portas atinge também o grosso das igrejas pentecostais e neopentecostais no país, mesmo após a ministra “terrivelmente cristã” Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) reunir dezessete entidades evangélicas e católicas na segunda passada e pedir que evitassem aglomerações. Um sinal claro da dificuldade veio do pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo e amigo do presidente Jair Bolsonaro. “Enquanto o transporte coletivo estiver funcionando, a minha igreja vai estar aberta”, afirmou.

RECUO - Edir Macedo: vídeo apagado após atribuir medo do vírus a “tática de Satanás” (instagram @bispomacedo/Reprodução)

A reação negativa a esse tipo de fala, o primeiro caso de morte no Brasil e a sequência de medidas impostas pelas autoridades — suspensão de aulas, fechamento do comércio, adoção de home office e restrição à circulação — fizeram com que algumas lideranças religiosas mudassem o discurso e acatassem as recomendações de governos estaduais, como a do governador João Doria para suspender as cerimônias na Grande São Paulo. Parte das missas e cultos começou a ser transmitida pela internet ou a ser realizada ao ar livre. Saíram a água benta e o lenço consagrado, entrou o álcool em gel. E nada de imposição de mãos ou distribuição de hóstias — cada fiel foi instruído a orar e a receber as orações no seu canto. O papa Francisco, por exemplo, passou a rezar apenas missas virtuais ­­— recomendação que estendeu ao mundo —, e a celebração da Páscoa será feita sem público na Praça São Pedro. Por aqui, a Justiça suspendeu as missas em Aparecida, o maior centro de peregrinação católica do país, mas a basílica seguirá aberta.

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Em tempos de crise como epidemias e guerras, os templos religiosos têm papel importante ao abrigar, apoiar e confortar a população. Mas é preciso equilibrar essa função com as políticas de saúde pública. Na Coreia do Sul, Lee Man-­Hee, líder da igreja cristã Shincheonji, é investigado por homicídio e danos à saúde pública depois que as autoridades atribuíram à sua igreja a responsabilidade por mais da metade dos casos de contaminação no país. Na França, a evangélica The Christian Open Door é acusada de ter virado um foco de contaminação após vários infectados em um evento espalharem o vírus até por territórios como a Guiana Francesa. No Brasil, as autoridades ainda não vetaram o funcionamento dos templos, mas a preocupação vem aumentando à medida que a doença se alastra. Depois que o bispo demonizou o vírus, a Universal apagou o criticado vídeo de Macedo, passou a adotar ações preventivas, e disse, em nota, que “a mídia distorceu o teor do alerta” de seu líder. Na última terça, no Templo de Salomão, na cidade de São Paulo, o bispo Guilherme Grando lembrou o ensinamento de Jesus Cristo de que é preciso “vigiar e orar”. Vigiar, no caso, seria tomar as medidas de precaução contra o coronavírus. Amém.

Publicado em VEJA de 25 de março de 2020, edição nº 2679

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