Uma equipe de pesquisadores britânicos descobriu que a anorexia nervosa — transtorno alimentar caracterizado pela obsessão com o peso — pode ser desencadeada por problemas metabólicos. A descoberta acende uma luz sobre uma condição grave que até hoje era associada apenas a questões psiquiátricas.
O estudo, publicado na revista Nature Genetics, indica que indivíduos com anorexia apresentam mutações genéticas que afetam o metabolismo, especialmente no controle da queima de gordura e dos níveis de açúcar no sangue. Essas mutações poderiam acionar outros genes relacionados à doença, aumentando o risco de desenvolvê-la.
“A anorexia tem as correlações esperadas com ansiedade, depressão e transtorno obsessivo compulsivo (TOC), mas também há esse conjunto de correlações metabólicas aparentemente saudáveis que não vemos em nenhum outro transtorno psiquiátrico”, explicou Gerome Breen, da King’s College London, na Inglaterra, ao The Guardian.
De acordo com os pesquisadores, esses resultados são importantes, pois podem ajudar na criação de tratamentos mais eficazes que consideram a interferência de fatores metabólicos na aparição do problema. Atualmente, o tratamento desse transtorno alimentar consiste em uma combinação de intervenções psicológicas e programas de realimentação que visam proporcionar uma dieta capaz de garantir um peso saudável através do apoio familiar.
O estudo
Para chegar a esta conclusão, a equipe comparou o DNA de 16.992 pessoas diagnosticadas com anorexia nervosa com o genes de 55.525 indivíduos sem a condição. O objetivo era encontrar variantes genéticas que pudessem estar associadas ao transtorno.
A análise mostrou a presença de mutação em oito genes relacionados a anorexia que também está associado a transtornos psicológicos, incluindo ansiedade, depressão e TOC. Segundo os pesquisadores, esses resultados já eram esperados. No entanto, a surpresa veio quando a avaliação alertou para uma mutação na parte do DNA envolvida na queima de gordura, propensão à prática de atividade física e níveis de açúcar no sangue.
Segundo os cientistas, embora pudessem parecer saudáveis, esses genes do metabolismo parecem influenciar genes ligados a problemas psiquiátricos — o que aumenta o risco de desenvolver a doença. Para a equipe, essas descobertas também poderiam explicar por que indivíduos com a doença apresentam dificuldade para manter um índice de massa corporal saudável (IMC) mesmo após a terapia. Suspeita-se ainda que essa atuação do DNA pode fazer com que as pessoas consigam passar fome por mais tempo.
“Este trabalho acrescenta algo realmente importante. Passa a mensagem para doentes, familiares e profissionais que fornecem ou desenvolvem tratamentos que a anorexia pode não ser uma condição exclusivamente psiquiátrica. Fatores metabólicos podem contribuir também. Espero que com o tempo essas descobertas levem a novas abordagens de tratamento e comecem a mudar a cultura da culpa”, comentou Rebecca Park, da Universidade de Oxford, na Inglaterra, ao The Guardian.
A equipe acredita que esses resultados podem ser apenas o começo de uma série de descobertas que apontem para a existência de centenas ou milhares de genes que contribuem para o risco de desenvolver o distúrbio.
Anorexia nervosa
A anorexia nervosa é um distúrbio alimentar caracterizado pela preocupação exagerada com o peso. Isso faz com que o indivíduo se torne obcecado pelo peso e seja extremamente severo com o que e o quanto come. Segundo especialistas, o problema afeta entre até 4% das mulheres e cerca de 0,3% dos homens.
As pessoas com a doença têm peso perigosamente baixo, mas estão sempre com a sensação de que ainda não atingiram o peso ideal. Por causa disso, muitos comem pouquíssimo enquanto outros comem normalmente, mas se exercitam exageradamente de forma a queimar mais calorias do que ingerem. Por causa disso, a anorexia é considerada a mais letal de todas as doenças psiquiátricas.
Entre um dos fatores de risco para a doença é o ambiente familiar, especialmente quando alguém ou toda a família é perfeccionista. Mas a nova pesquisa questiona essa crença. “As famílias de pessoas com anorexia tendem a ter níveis mais elevados de perfeccionismo, mas achamos que as causas e efeitos estão erradas. Não é o perfeccionismo que causa a anorexia, é a tendência a ter anorexia que provoca aumento do perfeccionismo. Ou seja, o ambiente familiar e a genética interagem”, concluiu Breen.