Um estudo recente publicado no Journal of the American Geriatrics Society constatou que a ansiedade pode quase triplicar o risco de desenvolver demência. Conduzido por pesquisadores australianos, o ensaio é pioneiro ao examinar a associação entre diferentes níveis de ansiedade e o risco de demência ao longo do tempo.
Foram recrutados mais de 2.000 participantes entre dezembro de 2004 e dezembro de 2007. Os voluntários tinham entre 60 e 81 anos ou mais e, no início do estudo, forneceram dados de saúde, como uso de tabaco, consumo de álcool e a presença de condições como hipertensão ou diabetes.
Os pesquisadores realizaram três avaliações com intervalos de cinco anos entre elas. A ansiedade dos participantes foi medida na primeira avaliação e também na segunda. A ansiedade crônica foi definida como a presença de ansiedade em ambas as avaliações, enquanto a ansiedade resolvida referia-se à presença de ansiedade apenas na primeira avaliação. A ansiedade de início recente foi identificada apenas na segunda avaliação.
Principais descobertas
Os resultados mostraram que 64 participantes desenvolveram demência durante o período de estudo. A ansiedade crônica e a de início recente foram associadas a um risco quase três vezes maior de demência por qualquer causa, com um tempo médio para o diagnóstico de 10 anos. Curiosamente, a ansiedade que foi resolvida dentro dos primeiros cinco anos não foi associada a um maior risco de demência, o que sugere que o tratamento eficaz da ansiedade pode mitigar esse risco.
A maioria dos casos de demência foi observada em participantes com menos de 70 anos. Isso é significativo porque sugere que a ansiedade em uma idade mais jovem pode ter um impacto mais profundo no desenvolvimento de demência em comparação com a ansiedade em idades mais avançadas.
De acordo com o estudo Brazilian Longitudinal Study of Aging (ELSI-Brasil) de 2023, o diagnóstico de demência em pessoas com 60 anos ou mais atinge quase 2 milhões de brasileiros, representando cerca de 5,8% da população. Outros 2,7 milhões de brasileiros nessa faixa etária foram diagnosticados com algum comprometimento cognitivo, mas ainda não desenvolveram demência. Essa parcela representa 8,1% da população do país.
Problemas de saúde mental têm se tornado cada vez mais comuns em todo o mundo. A ansiedade, por exemplo, atinge mais de 260 milhões de pessoas e o Brasil é o país com o maior número de pessoas ansiosas: 9,3% da população, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). E não para por aí. Dados mostram que 86% dos brasileiros sofrem com algum transtorno mental, como ansiedade e depressão.
Mecanismos biológicos
O estudo sugere que a associação entre ansiedade e demência pode ser parcialmente explicada pela ligação entre a ansiedade e doenças vasculares, uma causa comum de demência, e seus efeitos prejudiciais nas células. O estresse aumenta os níveis de cortisol no cérebro e a inflamação, ambos prejudiciais para as células nervosas. A ansiedade também está associada ao acúmulo de beta-amiloide, um marcador distintivo da doença de Alzheimer.
Limitações do estudo e perspectivas
Embora os resultados do estudo sejam promissores, existem algumas limitações. As medições da ansiedade dos participantes foram baseadas nas quatro semanas anteriores às avaliações, o que pode não refletir com precisão a ansiedade crônica. Além disso, 33% dos participantes que apresentavam níveis mais altos de ansiedade no início do estudo não foram acompanhados até o final. Isso pode ter levado a uma subestimação do impacto da ansiedade no desenvolvimento da demência, pois os dados desses participantes não foram considerados nos resultados finais.
Por isso, mais estudos que utilizem medidas cognitivas e biológicas de hormônios do estresse, inflamação e neurodegeneração, incluindo para a doença de Alzheimer, seriam úteis para confirmar esses achados. De qualquer forma, a pesquisa dá o pontapé inical para angariar evidências de que a ansiedade pode ser um fator de risco significativo para o desenvolvimento de demência. Daí, a gestão precoce e eficaz da ansiedade é crucial não apenas para melhorar a qualidade de vida, mas também para prevenir condições neurodegenerativas graves no futuro.
Vale destacar que uma saúde mental deteriorada foi apontada como um fator de risco para a demência por uma das comissões do The Lancet. Estudos compilados pela revista científica britânica indicam que o tratamento adequado da depressão, seja por meio de psicoterapia ou medicamentos, pode reduzir o risco de desenvolver demências, como o Alzheimer. Assim, é essencial que indivíduos em sofrimento psíquico busquem ajuda profissional para implementar estratégias de tratamento adequadas e potencialmente reduzir o risco de demências.