Você está na academia, cansado, desanimado, considerando não completar o treino, quando uma música nova começa a tocar na sua playlist e, eis que de repente, uma energia extra lhe faz seguir em frente — heroica e animadamente. Não é preciso ser um especialista para perceber que uma trilha sonora adequada é capaz de tornar a atividade física mais fácil e prazerosa. Pois agora a ciência esmiuçou os detalhes dessa associação. Pesquisadores da prestigiosa Universidade Brunel, em Londres, mostraram que as batidas sonoras tornam o consumo de oxigênio mais eficiente e estimulam o trabalho do coração. O levantamento, ancorado em 139 pesquisas de diversas instituições de saúde internacionais, comprovou que a música permeia as áreas do cérebro associadas à liberação do neurotransmissor dopamina, ligado à emoção, à euforia e à cognição, e também àquelas ligadas a reflexos físicos. Trata-se do mesmo composto químico que o organismo utiliza para avaliar ou reforçar alguns comportamentos essenciais à sobrevivência, como o da alimentação, e ainda aquele que aciona um outro mecanismo essencial, o de prazer por recompensas. “A dopamina aumenta a força da contração do músculo cardíaco, o que favorece a resistência do corpo no rendimento da atividade física”, diz Ludhmila Hajjar, professora de cardiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e intensivista da Rede D’Or.
Os benefícios de ouvir música durante a prática de exercícios foram descritos pela primeira vez por cientistas americanos em 1911, ao observar ciclistas que iam mais rápido quando uma banda militar tocava nas ruas, em comparação a corridas em silêncio. Não é qualquer ritmo, no entanto, que consegue provocar o impacto positivo. Assim como o compasso de uma fanfarra, as músicas que aumentam o rendimento têm batidas definidas e fortes, como o estilo dance pop. Além disso, devem incluir palavras de incentivo, como run (correr), move (movimento), action (ação). Entre os exemplos de canções selecionadas pelos estudiosos, estão pequenos clássicos modernos entoados por Lenny Kravitz, Beyoncé e Bruce Springsteen (veja no quadro abaixo).
Um dos principais trabalhos analisados pela Universidade Brunel foi celebrado pelo mais recente encontro anual do American College of Cardiology, centro de inteligência e influência decisiva para todo o mundo. O levantamento avaliou o impacto da música na tolerância ao exercício durante testes de stress cardíacos conduzidos em esteiras ergométricas. São provas em que o corpo é submetido à alta carga de exercícios em pouco tempo, monitorado com o uso de eletrodos no peito. A velocidade e a inclinação da esteira aumentaram a cada três minutos ao longo de até oito minutos. Os 127 homens e mulheres participantes, com idade média de 53 anos, foram aleatoriamente divididos em dois grupos — o dos que ouviram músicas em ritmo acelerado com fones de ouvido e o dos que se exercitaram sem nada nos ouvidos. A distância percorrida em um mesmo período foi significativamente maior entre os que ouviram música: cerca de 15% a mais.
Há ainda uma outra vantagem. As baladas fortes distraem o foco do exercício em si e, consequentemente, ganha-se mais afinco. As batidas musicais fizeram com que o organismo usasse menos 7% de oxigênio, indicou um outro trabalho. A conclusão foi feita com base em testes com adultos que praticavam treinos aeróbicos com trilhas sonoras no estilo dance pop. A música não afetou o quão cansados eles se sentiam, mas os fez gostar de correr mais, em relação aos que se exercitaram em silêncio. Os mecanismos cerebrais foram medidos por eletrodos. De acordo com os cientistas, o som também estimula ondas elétricas em áreas do cérebro associadas ao prazer, tornando o esforço mais agradável. Ou seja: se estiver pensando em dar uma corridinha, vale a pena levar seus fones portáteis e escolher uma boa playlist.
Publicado em VEJA de 12 de agosto de 2020, edição nº 2699