Soroterapia: saiba os riscos de tomar vitaminas na veia
Alavancado por famosos, soro da beleza promete perda de peso, fortalecimento da imunidade e até combate ao mau humor. Mas não tem respaldo de estudos
No desenho animado Shrek 2, o protagonista e sua trupe invadem a fábrica da Fada Madrinha para roubar a “Poção do Felizes para Sempre”, um líquido que dá ao bebedor uma aparência bonita e romântica, transformando o Ogro em galã e o Burro em um garanhão branco. Na vida real, um tratamento com promessas similares é anunciado pelas redes sociais.
Chamado de soro da beleza ou soroterapia, ele surgiu como resposta a todas as preces de pessoas que buscam uma forma rápida e fácil de conquistar saúde e o corpo dos sonhos. E virou um fenômeno entre as celebridades.
“Estou na clínica fazendo soro […] Estou no projeto saúde desde o começo de janeiro. Estava com 159 e devo estar com 135 kg. Mudei a alimentação, treino e estou feliz com o resultado”, disse Jojo Toddynho, que passa por uma reeducação de hábitos e contou sobre as mudanças ao programa Mais Você, da TV Globo.
Além dela, Rihanna, Madonna, Hailey Bieber e Kendall Jenner já relataram ter passado pelo suposto tratamento. A solução, oferecida em diversas clínicas de estética, parece ser milagrosa e bem parecida com o que vemos na ficção: são coquetéis vitamínicos administrados via intravenosa com o objetivo de melhorar a saúde e levantar a beleza em um piscar de olhos – ou em algumas idas aos consultórios.
Mas, cabe adiantar, a ciência não assina embaixo.
Como é feito?
“O primeiro passo da soroterapia consiste na avaliação clínica do paciente, em especial suas queixas, sinais e sintomas e realização de exames para averiguar quais nutrientes estão em falta no organismo. Ela pode ter diversas indicações: desintoxicar o organismo, prevenir doenças, favorecer processos de emagrecimento ou ganho de massa magra, tratar anemias, melhorar a imunidade, aumentar a performance em treinos, aprimorar a saúde da pele e cabelos e até mesmo otimizar a memória”, diz Mônica Bergamo, médica otorrinolaringologista que aplica o tratamento em clínica. O soro também é ofertado como prevenção ao envelhecimento e estratégia para reduzir sintomas de doenças.
Entretanto, considerando a cautela da maioria dos profissionais de saúde em relação à ingestão desmedida de vitaminas e minerais, as preocupações ganham uma escala ainda maior quando se fala na suplementação intravenosa direta, pois isso resulta em absorção quase instantânea dessas substâncias.
E a situação se torna ainda mais delicada, para não dizer grave, quando se constata a ausência de estudos clínicos avaliando a segurança e a eficácia desse procedimento. Hoje, nenhuma sociedade médica subscreve soros do tipo para melhorar a saúde ou ter ganhos estéticos. E, pior, há risco de efeitos colaterais.
Quais os riscos?
“Qualquer infusão endovenosa oferece riscos no local da punção venosa, como hematomas, infiltrações, extravasamento, oclusão vascular, infecção local, trombose, flebite etc; e sistêmicos que vão desde náuseas, hipotensão arterial, arritmias cardíacas e anafilaxia”, explica a médica Marcella Garcez, diretora da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran).
Aliás, desde 2022, o órgão presidido pela nutróloga emite comunicados em que se posiciona contra a soroterapia da beleza para fins estéticos, reforçando que a prática de reposição de nutrientes deve ser feita apenas nos casos em que pacientes não respondem aos tratamentos orais ou possuem má absorção intestinal.
Apesar das contraindicações formalizadas e divulgadas, nada parece ter mudado nesse cenário, e soros continuam sendo prescritos e vendidos, às vezes até por não médicos.
Consequências
Em abril deste ano, uma grávida de 8 meses morreu após tomar um coquetel de vitaminas em uma farmácia de Cuiabá (MT). Ela recebeu um coquetel formado de vitaminas C e do complexo B para reforçar a imunidade e tratar sintomas gripais. O bebê também não resistiu. Em nota, o Conselho Federal de Farmácia destacou que a mistura é contraindicada em caso de gravidez.
A administração de nutrientes por via endovenosa é um fenômeno mundial, mas, no Brasil, é obrigatório comprovar a necessidade por exames de laboratório, além de ter prescrição médica. Até porque, para comprar as ampolas dos tratamentos, é preciso ter o carimbo do CRM (registro profissional no Conselho Regional de Medicina).
“Essa mescla de nutrientes com a proposta de ser o ‘soro de beleza’, o ‘soro de imunidade’, o ‘soro antiestresse’, o ‘soro anticâncer’, o ‘soro detox’… Nada disso existe”, afirma Garcez. “O que existe é a possibilidade de utilizar vias injetáveis para a administração de suplementos necessários em cada caso e de forma individualizada, após diagnóstico, prescrição e acompanhamento médico”, completa.
Fica o alerta: é melhor deixar as poções encantadas para o mundo dos contos de fadas.