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AL VINO

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As novidades, tendências e delícias do mundo do vinho sem um gole de “enochatismo”. Marianne Piemonte é jornalista, sommelière e empresária do mercado de vinhos.
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A Califórnia brasileira quer agora ser também o Napa Valley nacional

Com a técnica de dupla-poda e investimento agressivo, a Terras Altas que colocar Ribeirão Preto no mapa das grandes regiões produtoras de vinho do mundo

Por Marianne Piemonte
Atualizado em 2 nov 2024, 10h49 - Publicado em 2 nov 2024, 10h46

Em dias mais frescos como os que fizeram esta semana aqui na capital paulista, Ribeirão Preto, situada no nordeste do estado, a 314 km de São Paulo, costuma ter temperaturas máximas que ficaram entre 27 e 31 graus e a mínima de 21. Houve verões com mais de 40 graus e, nos últimos anos, nos meses mais quentes, a sensação térmica costumava ser de fritar ovo no asfalto, obrigando os equipamentos de ar-condicionado a trabalhar no modo máximo, de forma a garantir a sobrevivência.

A partir da década de 80, o desenvolvimento econômico e a renda acima da média nacional fez Ribeirão Preto ser conhecida como a “Califórnia brasileira”.  No campo da gastronomia, a comparação não fazia muito sentido, é verdade. Enquanto a Califórnia original ficou famosa pela região de produção de vinhos de alta qualidade nO Napa Valley, Ribeirão sempre foi a terra da cerveja. Desde 1937, na cidade de terra roxa, solo fértil e seleiro da força do agronegócio nacional, reina a Choperia Pinguim. Segundo reza a lenda, ela serve o líquido que sai da torneira a 1,5 grau, com colarinho que leva dois minutos para evaporar e chega à mesa ainda com 4 graus. Um refresco e tanto para as temperaturas escaldantes.

A tradição do chope continua forte por lá, mas chegou o momento em que a “Califórnia brasileira” tem a pretensão de se tornar também o “Napa Valley nacional”. O esforço para tentar produzir vinhos de alta qualidade num cenário e em condições climáticas improváveis é comandado pela vinícola Terras Altas, que iniciou a produção em 2017.

Tudo começou com o suporte da dupla poda, técnica criada pelo agrônomo mineiro Murillo Regina que inverte o ciclo da vinha e faz com que a colheita seja no inverno – processo que está transformando a história da viticultura do Brasil. Graças a essa técnica, 200 vinícolas estão em funcionamento entre São Paulo e Bahia —  mais outras tantas devem se juntar às pioneiras dentro de poucos anos.

Responsáveis pela Terras Altas, os novos viniviticultores ribeirão-pretenses José Renato Magdalena e Fernando Horta já eram sócios em empreendimentos na construção civil, haras e gado de corte. Neste último, tinham a colaboração do agrônomo Ricardo Baldo, que se uniu à dupla, formando o trio que é proprietário da vinícola no interior de São Paulo.

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As primeiras vinhas da cepa de origem francesa Syrah, compradas do pai da técnica, foram plantadas em um terreno que fica a 250 metros de altitude do centro de Ribeirão — o centro da cidade, por sua vez, está a cerca de 500 metros de altitude do nível do mar. Por lá, segundo Baldo, as temperaturas mínimas podem chegar a 3,5 graus (durante dois dias do ano) e 7 a 12 graus, em uma semana de inverno. Ele diz que a amplitude térmica (diferença entre as máximas e mínimas), graças ao vento, é na média de 20 graus, o que é excelente para maturação das uvas, de maneira a se preservar cor, aromas que dependem desse amadurecimento mais lento.

Nos 10 hectares do terreno foi implantado a vinícola que conta com maquinário de recepção de uvas francesas, da marca Bucher Vaslin, e bombas de vinho italianas Evoneta, reconhecidas por serem uma das mais delicadas hoje no mercado Europeu. As barricas de carvalho são das melhores casas de tonelaria francesas, como François Frères e Taransaud. Para se ter uma ideia, uma única peça custa por volta de 1 000 euros. A sala de barricas da Terras Altas tem 40 unidades. O valor do investimento na indústria do estabelecimento, segundo Baldo, ficou na casa dos 20 milhões de reais.

Para a produção da primeira safra foi escalado o enólogo chileno Cristian Sepúlveda, responsável pelas medalhas internacionais da vinícola Guaspari, de Espírito Santo do Pinhal. E batata! Ou melhor, uva! A primeira safra da Terras Altas já trouxe a primeira medalha da Decanter, um dos principais e mais sérios concursos de vinhos realizado anualmente em Londres.

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VINHO HARMONIZADO COM AR-CONDICIONADO

Hoje, a casa produz quatro rótulos, todos da uva Syrah. Um rosé Cava do Bosque 2023 (R$ 120), muito frutado e fresco, que tem no rótulo um desenho de uma das netas de 12 anos de um dos sócios. Entre os tintos estão o Entre Rios (R$ 180), sem passagem por madeira, o Equilíbrio (R$ 220), que no meu paladar mostrou bastante fruta vermelha e de fato equilíbrio no uso de madeira e o Evolução (R$ 310), potente demais para o meu paladar, pelo menos foi a minha impressão num almoço de uma quinta-feira quente em São Paulo.

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Um dos rótulos da Terras Altas: primeira safra recebeu medalha da Decanter (Reprodução/VEJA)

Segundo Fernando Horta Jr., filho de um dos proprietários, essa potência não costuma assustar o público da quente cidade. “A turma costuma fechar a casa e aumentar o ar-condicionado para tomar os bons Cabernet Sauvignon”, disse ele, referindo-se aos vinhos encorpados preferidos de seu pai. Durante essa mesma apresentação, Baldo fez questão de dizer que fazem vinhos com “mínima intervenção”, um ativo cada vez mais precioso atualmente. A “mínima intervenção” da Terras Altas, no entanto, como o próprio Ricardo Boldo reconheceu, não abre mão do uso durante o processo de Dormex (um agrodenfesivo usado para quebrar a dormência da planta na ausência do frio, e fazer com que todo vinhedo brote ao mesmo tempo), além das borrifações de fungicidas e de leveduras selecionadas, o que significa “fermentos industriais” para a fermentação.

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Independentemente do uso adequado ou não do rótulo de “mínima intervenção”, é fato que os vinhos feitos na Terras Altas são convencionais, com ótimo potencial e qualidade. Além disso, a vinícola já possui estrutura de enoturismo que tem amealhado o público região. Um “wine tour” que mostra o caminho da uva e termina com uma degustação do vinho, acompanhado de queijos da região e azeites brasileiros custa R$ 120, por pessoa. Há também a concorrida festa da colheita, que termina com um almoço harmonizado pelo chef do restaurante da vinícola, por R$ 700, valor do ingresso único. Ou há ainda um brunch, estilo pique-nique harmonizado, montado no gramado com vista para as vinhas por R$ R$ 350, por pessoa. Atualmente a produção da Terras Altas está na casa das 20 mil garrafas por ano e com elas, eles já começam a figurar em cartas de elegantes restaurantes paulistanos como Tre Bicchieri, Figueira Rubayiat e NB Steak. “Como temos o foco em qualidade, vamos até o teto de 100 mil garrafas por ano”, disse Baldo à coluna AL VINO.

O início da história da Terras Altas mostra que o negócio é promissor e já fez de Ribeirão Preto uma interessante parada gastronômica para se tomar uma boa taça de vinho, além do chope gelado e com o colarinho tradicional da Pinguim – mas só o futuro dirá se a “Califórnia brasileira” poderá ser conhecida um dia também como o “Napa Valley nacional”.

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