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AL VINO

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As novidades, tendências e delícias do mundo do vinho sem um gole de “enochatismo”. Marianne Piemonte é jornalista, sommelière e empresária do mercado de vinhos.
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Aventuras, técnicas e desafios da “Sherlock Homes” dos vinhos falsificados

Uma das maiores especialistas do mundo em encontrar fraudes nas garrafas diz que o Brasil é um mercado perfeito para a atuação dos charlatões etílicos

Por Marianne Piemonte
Atualizado em 9 nov 2024, 12h37 - Publicado em 9 nov 2024, 12h34

Ela já foi chamada de “Sherlock Holmes’ do vinho pela prestigiada revista americana Wine Spectator graças a casos como aquele em que ajudou o FBI a desvendar quais garrafas haviam sido falsificadas pelo indonésio Rudy Kurniawan, saga que ganhou um documentário chamado “Saur Grapes”. Nascida na Califórnia, no Silicon Valley, Maureen Downey, de 52 anos, é hoje uma das mais influentes especialistas em falsificação de vinhos. Engana-se quem pensa que os alvos são sempre os rótulos raros e caros. Segundo Maureen, esse tipo de problema não é exclusividade do desejado mercado de luxo. “Fraudes podem estar nas prateleiras de mercado, com vinhos mais comerciais, até nas adegas dos grandes colecionadores”, contou ela à coluna AL VINO.

O envolvimento dela com o universo dos vinhos começou aos 23 anos. Depois de um resultado surpreendente em uma degustação às cegas na prova final de sommelier, Maureen foi morar em Nova York, onde fez a carta de vinhos de restaurantes prestigiados. Enquanto se preparava para uma certificação master do curso de sommelier, acabou indo trabalhar na casa de leilão Morrell & Company. Ali, pela primeira vez, teve contato com o mundo das falsificações. Um de seus clientes foi o famoso colecionador alemão (e falsificador) Hardy Rodenstock. “Os detalhes que ele estava me pedindo para observar, como tipo de vidro, detalhes nos rótulos e posicionamento da cápsula tornaram-se a base para o processo de inspeção de autenticação que utilizo hoje”, conta a especialista.  Na época, ela acredita que Rondenstock queria fugir das falsificações feitas por ele mesmo.

Maureen ainda teve passagens pela Zachy’s e Bonhams (tradicional casa de leilão de origem inglesa), em São Francisco, até abrir a sua própria empresa em 2005, na qual dá consultoria para grandes colecionadores e treina auditores com sua técnica de inspeção. Para os cheiradores de taça e enochatos de plantão, uma dica: tais “superpoderes” não são suficientes para salvá-los de um Romanée Conti tão autêntico quanto uma nota de 3 reais. “Se as pessoas pudessem sentir o gosto da autenticidade, este não seria um negócio multibilionário para os fraudadores”, afirma a especialista. No caso dos vinhos antigos, a encrenca é ainda maior, pois raramente eles têm as mesmas características de aromas e sabores, que se transformam com o passar do tempo.

Para evitar cair em armadilhas, segundo ela, a regra de ouro é “negócio da China, só na China”. Em outras palavras, não existe “black friday” para Romanée Conti. Outra forma básica de prevenção contra falsários é buscar fornecedores corretos e confiáveis até para a compra de  vinhos mais simples — caso contrário, além de perder dinheiro, você pode fazer muito mal para sua saúde.

Maureen começou a dar esta entrevista para coluna AL VINO na Ásia e terminou a conversa na Califórnia, nos Estados Unidos, onde está a sede da sua empresa. Confira os principais trechos:

A saga do indonésio Rudy Kurniawan, que deu origem ao documentario Sour Grapes, foi seu caso mais famoso ou existem outros também dignos de cinema? Foram muito os casos, como o de John Fox, da Premier Crew, (uma dos maiores esquemas de pirâmides de vinho – falso – que ruiu com cerca de 45 milhões de dólares, em Berkley), que também vendia falsificações. Ajudei o FBI a construir a investigação para que, quando ele declarasse falência por seu esquema Ponzi, eles pudessem processá-lo com muita facilidade e rapidez. Um dos grandes casos em que trabalhei em 2019 foi o de Alexander Iugov, o mafioso russo que acabou de ser preso outra vez recentemente na Europa por fabricar garrafas de cerca de 20.000 euros, cada uma, dentro de uma relação que certamente incluía Romanée Conti e outros Borgonha de alta qualidade. Em 2019, quando foi preso na Suíça e deportado para França, Alexander havia produzidos safras raras de Romanée Conti. Naquela época, ele foi condenado a uma multa de  150.000 euros, não muito para quem produzia gran crus da Borgonha, não? Quando Alexander foi preso novamente há cerca de duas semanas com vários outros bandidos, ele tinha 1,4 milhão de dólares em equipamentos de nível profissional, incluindo uma impressora digital de altíssimo padrão. Isso permitiu que os bandidos imprimissem etiquetas com a mesma qualidade dos produtores, incluindo a micro-escrita antifraude e a tinta invisível. Também vimos isso na apreensão de Sassicaia (ícone Toscano) há alguns anos. O crime organizado está fabricando garrafas com quase a mesma qualidade e as mesmas especificações dos produtores. Por isso, essas novas falsificações são tão difíceis de detectar.

Existe um perfil típico de falsificadores? São pessoas que perceberam o quão lucrativo esse negócio pode ser e o que é realmente assustador é como têm muito pouco a perder, mesmo que sejam pegos. As pessoas raramente são processadas por falsificação de vinho e nunca por venda de produtos falsificados. Portanto, há muitos novos corretores e comerciantes por aí que estão vendendo garrafas de alta qualidade, mas não têm como conduzir negociações neste nível.

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Como um consumidor comum pode, além do preço, suspeitar da autenticidade do vinho? O problema de fraude no vinho não afeta apenas os vinhos de alta qualidade. De acordo com a OMS, cerca de 25% de todo o álcool consumido globalmente é ilícito, ou seja falsificado, adulterado ou vendido no mercado negro. Existem várias outras organizações internacionais (como Euromonitor) que estimam também em 25% a quantidade de falsificações na indústria do vinho. Acredito que, com um percentual assim tão alto, é preciso desconfiar de garrafas rotuladas incorretamente por safra ou quando você se depara com a rosa espanhola que de alguma forma se torna rosa provençal. Todas essas “travessuras” de engarrafamento servem de sinal de alertar. Se você olhar em winefraud.com, temos toneladas de histórias nos últimos 10 anos – garrafas mal rotuladas e deturpadas, onde as informações no rótulo não correspondem ao que está dentro. É importante lembrar que isso inclui garrafas em todos os níveis da escala comercial. Por exemplo, o Reino Unido está inundado de Yellow Tail (vinícola autraliana que já teve a marca de quarta maior produtora do mundo) falsificado há anos. Às vezes, acredito que as pessoas que bebem Yellow Tail podem ter mais facilidade em reconhecer uma falsificação do que as pessoas que bebem essas garrafas velhas e raras muito caras, porque elas nunca são exatamente iguais umas às outras, então acho que o a capacidade de notar a diferença em algo que é um produto completamente consistente será mais fácil de se detectar do que aquele que muda dependendo da idade, do histórico de viagens e armazenamento da garrafa, bem como da ocasião. Pense nisso: se você bebe Coca-Cola todos os dias e alguém te dá uma Pepsi, você vai saber a diferença! No que diz respeito às estatísticas de vinhos finos e raros falsificados, penso que esse número está mais próximo de 5% a 10%. O número maior está na Ásia e nos mercados emergentes. Acredito que o Brasil está maduro o suficiente para ter muitas garrafas falsificadas, porque tem muito dinheiro, muitas pessoas que bebem vinhos realmente incríveis (e caros). Portanto, infelizmente, é um mercado perfeito para os fraudadores aproveitarem.

Um grande conhecedor de vinhos corre menos riscos de comprar uma garrafa falsificada? Acredito firmemente que a forma menos eficiente de testar a autenticidade é pelo gosto, especialmente para vinhos finos e raros. Se as pessoas pudessem sentir o gosto pela autenticidade, este não seria um negócio multibilionário para os fraudadores. O que as pessoas precisam fazer se suspeitarem que um vinho não é autêntico é contactar as autoridades ou especialistas como nós e descobrir. O que é realmente assustador no vinho falsificado é que ele é consumível, o que pode ser um problema de saúde.

Como evitar cair em armadilhas? Primeiro, compre apenas de fornecedores respeitáveis ​​que não tenham histórico de comércio de vinho falsificado ou de trabalhar com maus agentes. Temos uma lista de fornecedores recomendados no fraud.com e em winefraud.com temos uma lista negra e uma lista cinza de pessoas que sugerimos que os consumidores abordem com cautela ou evitem. Existem tantos fornecedores excelentes por aí que queremos tentar ajudar a promovê-los. Existem tantos lugares diferentes onde as pessoas podem comprar vinho hoje em dia que não há razão para comprar de um vendedor ruim.  Se um negócio é bom demais para ser verdade, de fato ele não é verdade. Você não está economizando  1.000 reais, gastando 2.000 em uma garrafa que vale 3.000? Não, na verdade você está desperdiçando 2.000. Se você alimenta a indústria de vinhos finos e raros falsos, você mostra a eles que é um negócio incrível. Portanto, se você quiser evitar ser fraudado, priorize a procedência em vez do preço. Evitar um problema é mais fácil do que lidar com ele. É muito mais fácil detectar os problemas antes de fazer a compra, evitando ter que brigar com um vendedor para devolver as garrafas. Busque um autenticador pré-compra, não é tão caro quanto uma inspeção formal pós-compra. Podemos simplesmente olhar para as garrafas e dar a nossa opinião sobre se compraríamos ou não. Isso economiza inúmeras dores de cabeça e muito dinheiro. Também libera esses fundos para que você possa sair e comprar garrafas autênticas em vez de ter que lidar com garrafas ruins.

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Em quais mercados ou países o problema da falsificação é mais grave? Bem, existem duas maneiras diferentes de analisar esta questão. A primeira é: onde são feitas as garrafas? Na Europa, especificamente, os países Itália, Suíça, Bulgária e França parecem ser os piores. Mas, novamente, ouvimos falar de grandes apreensões na Espanha. Parece que cada vez que respondo a esta pergunta há outra grande apreensão num país que não mencionei anteriormente. Na Ásia, é claro, há um problema enorme. Muitas dessas garrafas são produzidas em massa, Carlo Rossi e Penfolds (vinícola californiana e australiana, respectivamente) de nível básico. Depois, há o que chamamos de garrafas asiáticas de violação de propriedade intelectual, onde são “Penfoids” em vez de Penfolds, “Popus One” em vez de Opus One ou “Pacurs” em vez de Petrus. São garrafas que se parecem muito com as reais, mas não são reais. “Romanee Candi” em vez de Romanee Conti. Aqui na Califórnia, após as fraudes de Kurniawan, os principais produtores de vinho abandonaram a impressão em chapa e passaram para a impressão digital para que pudessem imprimir com tinta invisível. É lamentável porque a prensa de chapa é muito mais difícil de falsificar adequadamente. Recentemente, tenho encontrado uma série de garrafas que acredito estarem utilizando algumas dessas prensas antigas para fazer garrafas falsificadas de boa qualidade. Eles são assustadores.

Em que lugares são vendidas as garrafas falsificadas? Em todos os lugares! Infelizmente, as garrafas falsificadas conseguiram permear todo o mercado, incluindo as cadeias de abastecimento. Temos até algumas histórias de garrafas falsificadas colocadas na linha de engarrafamento no momento da produção. Temos visto que na cadeia de suprimentos caixas completas estão sendo trocadas e/ou todo o topo da paleta pode ser removido e trocado por falsificações. As falsificações modernas incluem as caixas de madeira originais, que têm todos os selos e faixas possíveis. Já encontramos garrafas falsificadas dentro de caixas de madeira originais.

Comprar das casas de leilão hoje pode ser uma garantia?  Infelizmente, muitas casas de leilões e varejistas ficaram muito complacentes nos últimos anos, acreditando que a fraude de Rudy ficou para trás. Já vi varejistas que considero legítimos e casas de leilão que considero legítimas declarando coisas à imprensa como “isso não é mais um problema e as pessoas não precisam se preocupar com isso”. Bem, posso dizer que tenho comprado milhões de dólares em vinho em leilões e de varejistas respeitáveis ​​e o problema é o de sempre. Sei que existem alguns fornecedores que são melhores do que outros, a maioria dos bons fornecedores por aí não percebe que estão sendo enganados, mas, infelizmente, isso não é levado a sério o suficiente, as pessoas não sabem como verificar mais autenticidade e a maioria dos varejistas e casas de leilões preferem lidar com o problema depois do que tentar examinar adequadamente as garrafas e retirá-las de circulação com antecedência.

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Existe hoje um grande número de especialistas em detectar falsificações? Especialmente desde a pandemia de Covid-19, há muitos novos “profissionais do vinho” que ficaram desempregados e perceberam que este tipo de venda pode ser um negócio muito lucrativo. Muitas dessas pessoas não têm absolutamente nenhum treinamento, nenhuma experiência e nenhuma ideia do que estão fazendo. Na outra ponta há pessoas que trabalham na indústria há 30 ou 40 anos que pensam que de alguma forma, talvez por osmose, aprenderam a autenticar. Posso garantir que, em ambos os casos, essas pessoas estão erradas. 99% delas não conheceriam uma falsificação de 1990 ou 2020 de um Romanée Conti, ou de um 1945 Mouton se isso literalmente lhes desse um tapa na cara. A menos que você seja especificamente treinado e saiba o que procurar nas garrafas falsificadas.

Na sua experiência, quais são os rótulos mais falsificados? As pessoas que falsificam ganham muito com uma nota de um dólar ou com algumas de 100. O mesmo vale para o vinho. Produzem em massa garrafas de baixo custo que ninguém está realmente procurando por sua autenticidade (como a Yellowtail) ou eles fabricam à mão as garrafas mais sofisticadas que proporcionarão o máximo retorno.

Quais as técnicas que você mais usa para detectar essas falsificações? Nos últimos 25 anos desenvolvi minhas próprias técnicas e métodos. Adotamos a maioria de nossas tecnologias de outras indústrias, como nossos microscópios foram feitos para observar moedas, documentos e bugs. Estou usando uma nova ferramenta para inspecionar rolhas que aprendi no consultório do meu dentista, mas também usamos o Silly Puddy (uma massinha que pode ser usada para fazer decalques ou tirar resíduos), adotado desde a infância. Há os procedimentos e protocolos que desenvolvi, criando uma abordagem sistemática para a inspeção que seguimos em cada garrafa. Já treinei várias pessoas em meus métodos, mas estamos em constante evolução. Durante a inspeção, usamos uma combinação de ampliação, fotografia e iluminação diferente, juntamente com medições e um banco de dados robusto. Temos protocolos que seguimos para todas as garrafas diferentes e para que todos sigamos uma abordagem padronizada para cada garrafa. Minhas técnicas evoluíram ao longo do tempo, à medida que as falsificações evoluíram e à medida que aprendemos sobre outras tecnologias e descobrimos maneiras de usá-las em nosso processo de inspeção. Muita coisa mudou e melhorou nos últimos 25 anos, desde que comecei a fazer isso.

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vinho
Detalhes dos rótulos são checados com lentes especiais (Divulgação/VEJA)

Existe algum tipo de cooperação internacional entre os especialistas de sua área? Um dos nossos melhores ativos é o nosso grupo internacional de autenticadores. Os Autenticadores Certificados TCM trabalham regularmente juntos em diferentes lugares ao redor do mundo. Há duas semanas, seis de nós estávamos em Nova York e na próxima semana nove de nós estaremos juntos na Ásia. Quando não estamos juntos, ajudamos uns aos outros e comunicamos o que estamos a observar, especialmente novos desenvolvimentos nos nossos mercados, para que permaneçamos na vanguarda na identificação de novas fraudes. É importante que continuemos proativos ao retirar estas garrafas para proteger os nossos clientes – sejam eles colecionadores ou vendedores.

Uma última pergunta: fora os vinhos falsos, quais são os seus preferidos? Eu adoro vinhos com alta acidez, portanto Champanhe e os Borgonhas são a minha perdição. Mas na última semana, apreciei ótimos Bordeaux e italianos, eu pude lembrar como gosto deles também. Eu bebi bastante ótimos Brunello di Montalcion. Gosto também do Sauvignon Blanc de Napa Valleu ou um rosé seco no final do dia enquando monto difíceis quebra-cabeças de madeira, um dos meus vícios. Mas também gosto de destilados japoneses, portanto acho que dependo do dia, do astral e da companhia. Gosto de bons vinhos e destilados.

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