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Dias Lopes

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Pastiera di grano

Nenhum doce artesanal é mais simbólico da Páscoa cristã do que esta torta. Criada em Nápoles, na Itália, hoje o mundo inteiro a prepara

Por J.A. Dias Lopes Atualizado em 22 abr 2019, 15h43 - Publicado em 19 abr 2019, 21h46
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  • Não faz muito tempo que o mundo assimilou este imperdível doce ao mesmo tempo crocante e macio, criado em Nápoles, capital da região da Campânia. Chama-se pastiera di grano. Poucas preparações se adaptam melhor à comemoração da Páscoa, a festa que celebra a ressurreição de Cristo ocorrida três dias depois da sua crucificação no Calvário. Trata-se de uma torta feita de massa frolla (que se esfarela facilmente), recheada à base de ricota, grãos de trigo integral, fruta cristalizada, ovo e açúcar; e aromatizada com água de flor de laranjeira, essência de baunilha e canela em pó.

    Todos os ingredientes têm apelo místico. O branco da ricota representa a piedade cristã; os grãos de trigo, a capacidade de transformação da natureza, pois brotam da terra em espigas que se tornam douradas; o ovo, o mistério da reprodução da espécie humana; o açúcar, a doçura do amor de Cristo; a água de flor de laranjeira e a essência de baunilha, o perfume da primavera, estação na qual se comemora a Páscoa na Europa.

    Mas os napolitanos relacionam a pastiera di grano com uma história pagã, tirada da mitologia greco-romana. Como não conseguisse enfeitiçar e levar à morte Ulisses, herói dos poemas épicos Ilíada e Odisseia, de Homero, a sereia Partênope ficou humilhada e se afogou no mar, junto com as companheiras que a secundavam no encanto fatal. O rei da ilha de Ítaca, navegando no Mediterrâneo, enfrentou ileso a sedução das ninfas, porque se amarrou ao mastro do navio e fez os homens que liderava taparem os ouvidos com cera.

    O corpo de Partênope, levado pelas ondas, foi parar no litoral meridional da Itália. Na costa onde parou surgiu uma cidade batizada de Partênope, mais tarde refundada com o nome de Neápolis, atualmente denominada Nápoles. Até hoje os napolitanos são chamados de partenopeus. Fascinada com a beleza do golfo de Nápoles e a presença do vizinho vulcão Vesúvio, Partênope ressurgia todos os anos nas suas águas, durante a primavera. Já não era a mesma sereia nefasta: saudava os habitantes locais com canções de amor.

    Em uma das aparições, entoou músicas tão melodiosas que a população retribuiu sua afeição com o que tinha de mais precioso. Ofereceu-lhe farinha de trigo, ricota, ovo, trigo em grão, água de flor de laranjeira, açúcar e especiarias. Partênope, porém, repassou tudo aos deuses e estes prepararam “uma pastiera diferente das demais, que superou em doçura o canto da sereia”.

    A versão mitológica faz alguns autores relacionarem a pastiera di grano com receitas imemoriais, saboreadas nas festas pagãs da primavera, quando as sacerdotisas de Ceres, deusa romana da agricultura, equivalente à grega Deméter, carregavam em triunfo ingredientes da receita. A torta atual, porém, foi aperfeiçoada nos conventos femininos de Nápoles e se tornou famosa a preparada no monastério de São Gregório Armênio, situado ao lado da igreja dedicada a esse santo.

    As obras do precioso conjunto barroco iniciaram no século X, sobre as ruínas de um templo dedicado a Ceres – e a deusa pagã volta à cena. Abrigou freiras que fugiam de perseguição no Império Bizantino e trouxeram para Nápoles as relíquias de São Gregório Armênio, primeiro líder da Igreja Católica na Armênia, país localizado na Eurásia, ao sul do Cáucaso.

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    Outra hipótese situa o nascimento da pastiera di grano no reinado de Constantino I, o Grande, imperador romano que se converteu ao cristianismo, proclamou a liberdade religiosa, aboliu o suplício da cruz e deu paz à Igreja Católica no ano 313. Os catecúmenos, ou seja, os fiéis que se preparavam para o batismo, recebiam na noite de Páscoa ingredientes com os quais faziam uma pastiera rudimentar.

    Detalhe importante é que a torta por muito tempo não levou açúcar. Adoçava-se com mel. Na verdade, a Europa dispôs de açúcar depois de invadida no século IX pelos mouros, oriundos do Norte de África e praticantes do islamismo. Eles plantaram a cana-de-açúcar primeiro na Sicilia, Itália, e a seguir em Valência, na Espanha. Em meados do século XV, o cultivo se espalhou por domínios portugueses no além-mar, sobretudo no arquipélago da Madeira. Com a descoberta do Brasil, a riqueza alcançou o Novo Mundo e existiu à vontade.

    No passado, os napolitanos preparavam a pastiera di grano três dias antes da Páscoa, o tempo em que, segundo o Novo Testamento, Cristo levou para ressuscitar. Em Nápoles, hoje é elaborada o ano inteiro, convertida em sobremesa ecumênica e inclusive laica. A população local sustenta que a melhor torta não é feita nas confeitarias, porém em casa. Toda família possui uma receita secreta, transmitida através das gerações. Preparam-na em fôrmas redondas de várias dimensões.

    Na região da Campânia, a receita tradicional comporta variações significativas. Vão da incorporação do creme de confeiteiro ao chocolate branco; em Salerno, troca-se o grão de trigo pelo de arroz, produzido outrora naquela província; em Mondragone, na província de Caserta, substitui-se a ricota por tagliolini, massa em forma de finas tiras, ainda conhecida por taglierini e tajarin.

    Os napolitanos acreditam que saborear a pastiera di grano, especialmente na Páscoa, traz alegria e bom augúrio. Provam essa convicção relatando um episódio protagonizado por Maria Teresa da Áustria, segunda mulher de Fernando II de Bourbon, rei das Duas Sicilias na primeira metade do século XIX. Mal-humorada, ela era chamada de “a rainha que nunca sorri”. No final de um banquete de Páscoa, o marido convenceu a mulher a provar uma fatia de pastiera di grano. Maria Teresa abriu um surpreendente sorriso. “Essa torta deliciosa faz milagres”, afirmou o simpático Fernando II. “Pena que terei de esperar a próxima Páscoa para ver a minha mulher sorrir novamente.”

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    Foram os imigrantes de Nápoles e arredores que internacionalizaram a pastiera di grano. No Brasil, a torta teria sido introduzida comercialmente em 1958, pela Speranza, de São Paulo. A cantina e pizzaria, até hoje uma das melhores do Brasil, foi fundada pela família napolitana Tarallo e abriu com receitas da terra natal: a pizza Margherita, a pizza napoletana, o calzone (pizza dobrada ao meio antes de ir ao forno), o tortano (pão de linguiça típico da Campânia) e a receita da pastiera di grano preparada em casa pelo clã. Eram Francesco Tarallo, que chegou com o filho Giovanni, e logo depois Speranza, ao lado do filho Antônio. A cantina e pizzaria da família continua a fazer uma pastiera di grano cujo cordão de apreciadores cada vez aumenta mais.

    Um dos mais ardorosos fãs da torta napolitana foi, em São Paulo, o imortal compositor e cantor Adoniran Barbosa. Para quem não lembra, esse era seu nome artístico. Na verdade, chamava-se João Rubinato, filho de dois imigrantes italianos que desembarcaram no porto de Santos em 1895. A “bença”, saudoso Adoniran!

    PASTIERA DI GRANO

    Rende 10 porções

    INGREDIENTES

    MASSA

    .100g de farinha de trigo

    .80g de açúcar

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    .80g de manteiga sem sal, gelada, em pedaços pequenos

    .1 gema

    .1 colher (café) de essência de baunilha

    .Farinha de trigo para polvilhar a superfície de trabalho

    RECHEIO

    .300 ml de leite integral

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    .60g de manteiga sem sal

    .200g de ricota fresca (de ovelha ou de vaca)

    .200g de açúcar

    .2 ovos

    .Raspas de casca de 1 limão-taiti

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    .1 colher (chá) de essência de baunilha

    .1 colher (chá) de canela em pó

    .1 colher (sopa) de água de flor de laranjeira (opcional)

    .200g de trigo integral em grão (previamente cozido em água)

    .100g de frutas cristalizadas (opcional)

    FINALIZAÇÃO E MONTAGEM

    .Manteiga para untar e farinha de trigo para polvilhar a forma

    .Açúcar de confeiteiro para polvilhar a torta

     

    PREPARO

    MASSA

    1. Numa tigela, coloque a farinha de trigo, o açúcar e misture.

    2. Adicione a manteiga e misture, com a ponta dos dedos, até obter uma farofa. Esta etapa pode ser executada no processador de alimentos.

    3. Adicione a gema, a essência de baunilha e amasse até que todos os ingredientes estejam bem incorporados.

    4. Envolva a massa em filme plástico e reserve enquanto executa a etapa seguinte.

    RECHEIO

    5. Numa panela, junte o leite, a manteiga, a ricota, o açúcar, os ovos, as raspas de limão, a baunilha, a canela, a água de flor de laranjeira (se for usar) e misture bem até homogeneizar.

    6. Leve a panela ao fogo baixo, mexendo lenta e constantemente, até a ricota se dissolver e formar um creme liso.

    7. Adicione os grãos de trigo cozidos, as frutas cristalizadas (se for usar) e cozinhe, mexendo, por mais 2 a 3 minutos.

    8. Retire do fogo e reserve.

    FINALIZAÇÃO E MONTAGEM

    9. Unte com manteiga e polvilhe com farinha de trigo uma fôrma de fundo removível, de 22 centímetros de diâmetro.

    10. Numa superfície ligeiramente polvilhada com farinha de trigo, abra 2/3 da massa e com ela forre o fundo e as laterais da fôrma.

    11. Despeje o recheio sobre essa base de massa.

    12. Abra a outra parte da massa e com ela cubra a torta.

    13. Leve para assar por 45 minutos, em forno baixo, pré-aquecido a 150 graus. Se após esse tempo a superfície da torta ainda estiver branca, aumente a temperatura do forno para 200 graus e deixe assar  por mais 5 ou 10 minutos, aproximadamente.

    14. Retire do forno e deixe esfriar uma pouco antes de desenformar, para não quebrar a massa.

    15. Polvilhe açúcar de confeiteiro por cima e sirva.

    Receita preparada pela Cantina e Pizzaria Speranza, de São Paulo (SP)

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