Quando chegam à mesa, as criações de Eduard Xatruch, Oriol Castro e Mateu Casañas, trio de chefs responsável pelo Disfrutar, em Barcelona, eleito o melhor restaurante da Europa e o segundo melhor do planeta, chamam a atenção pela beleza. São pequenas obras de arte comestíveis, coloridas e criadas com diferentes camadas e texturas. Cada mordida, no entanto, revela a genialidade dos cozinheiros. O que parecia sólido é macio e aerado, as esferas explodem na boca e as camadas escondem recheios de sabores surpreendentes. Em tempos em que todas as principais técnicas da gastronomia clássica são requisitos básicos de qualquer um disposto a comandar uma cozinha e cada novidade ganha o mundo na velocidade impressionante das redes sociais, é preciso inventar sempre e cada vez mais. E foi assim, criando novas técnicas e mesclando sabores tradicionais com apresentações inusitadas, que o Disfrutar se tornou referência de uma nova era da cozinha espanhola.
Embora recente — a casa abriu as portas em 2014 — o endereço é parte de uma história bem mais longa, a revolução espanhola de forno e fogão. Os chefs trabalharam com o lendário Ferran Adrià no El Bulli, o único a se manter no topo do ranking global por cinco anos, entre 2006 e 2010. A química entre eles deu tão certo que decidiram trabalhar juntos novamente. O trabalho logo recebeu críticas positivas. Foram subindo posições em listas relevantes e conquistaram a cobiçada terceira estrela do Guia Michelin no ano passado. “Ganhamos um selo de criatividade e passamos a defendê-lo”, disse a VEJA Xatruch, que esteve no Brasil no final de 2023 para mostrar suas técnicas a alunos da escola Le Cordon Bleu, uma das mais respeitadas da gastronomia. “Mas traduzimos isso em comida. E a tradição é fundamental, porque é a partir de uma base sólida que podemos fazer o que quisermos.” Além das inovações no preparo, o trio adapta receitas clássicas, como a calçotada, preparada com a cebola conhecida como calçot, na Catalunha. No Disfrutar, é feita em versão liofilizada e servida com uma variação do molho romesco. As criações são catalogadas e lançadas em livros, que funcionam como a documentação de uma jornada criativa. A segunda edição acaba de chegar ao mercado.
Xatruch, Castro e Casañas não estão sozinhos. Há outros dois espanhóis entre os cinco melhores restaurantes do mundo, de acordo com o ranking anual The World’s 50 Best Restaurants: o DiverXO, em Madri, e o Asador Etxebarri, em Atxondo, no País Basco. Ao menos desde a década de 1970, quando Juan Mari Arzak usou as técnicas de vanguarda da França para adaptar sabores clássicos bascos no movimento conhecido como “nova cozinha basca”, a Espanha tem exportado conhecimento gastronômico. Entre o final dos anos 1990 e começo dos 2000, Ferran Adrià e seu El Bulli reinaram supremos, graças à capacidade de inovação do chef, responsável por criar as técnicas de espuma e esferificação, entre muitas outras. Na década seguinte, a coroa passou ao Celler de Can Roca, empreendimento dos irmãos Roca que aliava alta gastronomia com hospitalidade e um talento para compor uma experiência completa, dos pratos com ingredientes únicos à harmonização e às sobremesas. Mais do que um destino certo para quem quer comer bem, a Espanha é, hoje, epicentro mundial do bom paladar.
Publicado em VEJA de 12 de janeiro de 2024, edição nº 2875