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“O mundo vai mudar daqui para frente”, diz Erick Jacquin

Conhecido pela fama na TV e pela na gastronomia francesa em São Paulo, Jacquin adaptou a rotina do restaurante e de casa para enfrentar a pandemia

Por Jennifer Ann Thomas Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 3 abr 2020, 15h13
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  • Erick Jacquin, chef francês e naturalizado brasileiro, conquistou popularidade entre os públicos de diferentes preferências gastronômicas após 2014, quando estreou como um dos jurados do programa MasterChef, transmitido pela Band. Antes da fama conferida pela televisão, o chef já era reconhecido como um dos principais nomes da gastronomia francesa em São Paulo. Em dezembro passado, Jacquin abriu o restaurante Président e, em quatro meses, teve que fechar as portas por causa da quarentena instaurada em razão da pandemia do coronavírus — ainda assim, continua a preparar refeições para fazer entregas por delivery. O chef falou sobre a nova rotina em reportagem de VEJA. Em casa com Rosângela, sua esposa, e os filhos gêmeos de dois anos, a crise trouxe reflexões sobre a vida pessoal, as dificuldades econômicas que terá de enfrentar e até mesmo o receio pela possibilidade de soltura da falsa babá que furtou objetos da residência da família. 

    Como o senhor está se adaptando ao atual momento? Sempre falei que nunca mais ia abrir um restaurante. Quando decidi investir em uma nova casa, tive que fechá-la depois de quatro meses por conta de uma crise como a do coronavírus. Mas eu não sou o único, não é só o meu restaurante. É economia do Brasil, do mundo. Tem gente que é a favor de trabalhar, tem quem é contra. Mas a proteção da população, das crianças, dos idosos, das pessoas, vem à frente de tudo. A gente não pode fazer as pessoas irem trabalhar e arriscar a saúde delas. Ao mesmo tempo, muitas pessoas precisam trabalhar para comer amanhã. Ninguém sabe se o governo pode assumir essa situação e qual o poder financeiro deles. A bolsa de valores é uma coisa, mas a realidade, a geladeira dentro das casas das pessoas, é outra. 

    O senhor enxerga uma solução para o curto prazo? O grande problema é o que vai acontecer depois de tudo isso, quais vão ser os resultados. Como as pessoas vão viver amanhã, qual o resultado dessa crise nas escolas, na economia, na segurança pública, no nosso futuro? Ninguém sabe. A gente é privilegiado, mas e os outros? Quem vai fazer as contas no final? Quem vai explicar isso para nós? Vamos mudar a sociedade? Vamos mudar a forma de fazer política no Brasil? O presidente fala uma coisa, o governador e o ministro falam outras coisas. Ninguém se entende. O meu restaurante é um pingo de água dentro do oceano. A gente decidiu fazer delivery no Président até como alternativa para manter o emprego das pessoas.

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    Qual é a sua principal preocupação? O que me preocupa é o futuro da minha família. Eu tenho três filhos. Cadê o futuro deles depois disso? Até mesmo na segurança, qual o impacto disso? A babá que fez a pior coisa da vida com a minha família talvez seja solta. O pior é o futuro, o que vai acontecer depois que passarmos por tudo isso. Eu estou rezando para o futuro dos meus filhos. Já vivi mais da metade da minha vida. E os meus filhos? Um com 23 e os bebês com 2 anos? Esse país maravilhoso que tem tudo para ser o melhor do mundo, cadê o resultado do Brasil? Devia ser mil. Mas a gente não está nem com nota dois.

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    Quais medidas a sua família tomou dentro de casa? A gente não fez estoque de alimentos em casa. Eu tenho cozinhado todo dia e redescobri alguns momentos em família. Eu não sabia que cuidar de dois bebês dava tanto trabalho. Me fez admirar ainda mais a Rosângela porque ela cuida deles sozinha. E agora eu estou ajudando durante o dia e consigo participar mais. Faço as papinhas deles, aprendo a fazer testes e cozinhar para os bebês de uma forma diferente. Eu e a Rô, a gente não precisa de muita coisa. A gente come coisas simples, normal, como quiche com salada. A única coisa que comprei bastante, e acho que exagerei um pouco, foi na água mineral, pensando nos bebês. Mas eu acho que a gente não pode entrar em pânico e não precisa estocar muita coisa em casa. Vai ter tudo no mercado e não será necessário. 

    Do que o senhor sente mais falta? Sinto muita saudade de ir às feiras de rua. Eu adorava ir à feira do Pacaembu, da Alameda Lorena para comprar as saladas e outras coisas. Isso eu sinto muita falta. Mas está sendo um prazer muito grande ficar mais tempo com a família. Eu virei escravo da casa. Mas eu amo isso. Eu sou privilegiado. É o lado bom do confinamento. Até mesmo ligar para quem está longe ou para os amigos de infância, rever os filmes clássicos que a gente já assistiu dez vezes, as músicas que já ouvimos mil vezes, ler livros. Refazer as coisas que a gente não tinha tempo de fazer e que agora não tem mais desculpa.

    Para quem está em isolamento, em casa, como aproveitar melhor a cozinha? A gente deve aproveitar esse período para reaprender a fazer as coisas que a gente gosta de comer, para cozinhar coisas simples e até mesmo para fazer aquelas que demoram mais tempo para preparar. Comidas da infância, de família, simples para não gastar dinheiro. Fazer o que temos vontade de comer e cozinhar para as pessoas que estão perto da gente também. Aproveite para arrumar a casa, tem muita coisa que nem sabemos que temos. Olhe os livros que você tem. Eu estou fazendo isso. Já arrumei a área de serviço e a cozinha. Organize as panelas, a gente precisa aprender a cuidar das nossas coisas, é a nossa casa. Precisamos cuidar da nossa geladeira, não deixar estragar comida porque pode ser que tenha gente que precise de ajuda.

    Depois da crise, o que o senhor espera que aconteça? Cozinhar é um hobby, uma terapia. A gente pode procurar fazer algo de infância, da avó, da mãe. Ou então eu procuraria fazer a minha própria história, criar o meu livro de receitas com o que eu gosto de fazer para a minha família. O que a gente gosta de comer juntos, com o que tem na geladeira. Pode ser um modo de começar de novo, do zero. Porque esse momento que estamos vivendo vai mudar o mundo daqui para frente, vai mudar a sociedade. É um fenômeno que nunca existiu. É uma revolução que ninguém imaginou, só se via no cinema. O planeta está em guerra. Precisamos pensar no futuro para que isso não aconteça mais. Não podemos ficar confinados só pensando no passado. É um momento de reflexão. Ver a nossa família em casa, todo mundo junto e ter tempo para aproveitar isso. Eu acho que vamos tirar algo muito positivo. É uma forma diferente de viver em família e espero que a gente mude e aprenda a ajudar mais um ao outro, inclusive em casa. Pensar mais na família, na felicidade e no amor.

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