Taioba refogada, sopa de trevo-de-três-folhas, salada de azedinha e pitadas de semente de aroeira. Os nomes exóticos dos ingredientes dão a pista: são pratos feitos com plantinhas do mato, que nascem de forma espontânea por todo lugar. Na gastronomia, esse tipo de alimento, digamos, selvagem recebeu no Brasil, em 2008, a denominação de “panc”, o acrônimo para plantas alimentícias não convencionais. Com velocidade, chegou às cozinhas estreladas de chefs como Alana Rizzo, Alex Atala e Ivan Ralston. Agora, chegaram às mesas domésticas, sobretudo de quem busca uma alimentação sustentável — prato cheio para a geração dos millennials.
O termo “panc” foi cunhado no Brasil pelo biólogo Valdely Kinupp, hoje professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas. Em parceria com o engenheiro agrônomo Harri Lorenzi, desenvolveu um catálogo com a identificação, tabela nutricional e receitas de 351 espécies. Diferentemente das hortaliças, legumes, grãos e frutas convencionais, as pancs não são cultivadas em larga escala. Muitas, até mesmo, são consideradas ervas daninhas por crescerem nos quintais e beiras de estrada. “Mas os benefícios desse tipo de alimento são extraordinários”, diz a geógrafa Beatriz Carvalho, fundadora do projeto Mato no Prato. As plantas nativas têm em comum altíssima concentração de vitaminas e minerais, em especial, ferro, cálcio e antioxidantes. Os sabores costumam ser fortes, vão do azedo ao picante.
Ganharam espaço, apesar de caras — cerca de 30% a mais do que os produtos comuns —, porque foram adotadas pelo novo espírito do mundo, esse que se espraiou globalmente. E vencem uma barreira imensa: das mais de 50 000 plantas comestíveis disponíveis mundialmente, apenas quinze delas, principalmente o arroz, o milho e o trigo, são responsáveis por 90% das demandas de energia dos seres humanos, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. Há, portanto, vasto espaço para crescimento. Hoje há mais de 20 000 espécies catalogadas. Existem endereços especializados que comercializam essas plantinhas. Mas muitas pessoas estão colhendo-as por conta própria. Daí a necessidade de atenção redobrada: elas não devem estar próximas a esgotos ou água parada. Devem ser evitadas espécies com espinhos, com látex ou seivas. E, claro, sempre ter como referência informações de especialistas, divulgadas em links especializados na internet. A natureza é pródiga, mas exigente.
Publicado em VEJA de 4 de novembro de 2020, edição nº 2711